segunda-feira, 7 de março de 2016

Em experimento de 1971, cientista viu zika atacando cérebro de cobaia

Estudo feito na Inglaterra ficou 'soterrado' na literatura médica por 45 anos.

Trabalho foi recuperado por biólogo que estuda a história da infectologia.

Rafael GarciaDo G1, em São Paulo

Hipocampo do cérebro de camundongo saudável (esq.) e infectado por zika (dir.) (Foto: Bell, Field e Narang (NGH))Hipocampo do cérebro de camundongo saudável (esq.) e infectado por zika (dir.) (Foto: H.K Narang (NGH))
Um grupo de cientistas realizou em 1971 um experimento no qual camundongos infectados por zika apresentaram graves problemas no sistema nervoso. Durante 45 anos, a informação permaneceu enterrada nos arquivos da literatura médica, até o vírus se tornar um problema de saúde pública.
O trabalho, analisado em retrospectiva, é provavelmente o primeiro registro sugerindo que o patógeno transmitido por mosquitos pode causar problemas de desenvolvimento neurológico como a microcefalia.
O experimento, realizado pelo grupo do virologista Harash Narang, do Hospital Geral de Newcastle (Inglaterra), foi descrito em estudo na revista alemã "Archiv für die gesamte Virusforshcung" (Arquivos de Virologia Geral). Até a epidemia de zika se tornar um problema de saúde global, porém, o artigo só havia sido citado seis vezes.
O que Narang fez junto de dois colegas foi injetar o vírus no cérebro de camundongos adultos (com cinco semanas) e recém-nascidos. Os cientistas relatam ter observado que o zika conseguia se reproduzir dentro do cérebro, provocava inflamação e causava a morte de neurônios no hipocampo, estrutura cerebral essencial para a formação de memórias.
"A replicação do vírus em neurônios indica que sua destruição, vista de modo claro sob a luz em microscópios, se deve especificamente à infecção por zika", escreveram Narang e seus colegas.
O zika foi descoberto em 1948, em macacos na Uganda, e passou quase duas décadas anos gerando pouco interesse de cientistas. Com os primeiros casos em humanos descobertos em 1964, o interesse no patógeno aumentou um pouco, mas naquela época não havia evidência de que o zika pudesse interferir com o desenvolvimento neurológico.
O trabalho de Narang, porém, não pareceu particularmente alarmante, porque uma injeção intracraniana não é um modelo totalmente adequado para simular uma infeção real por zika, que entra pela corrente sanguínea. Não estava claro se, em camundongos, o vírus seria capaz de cruzar a chamada barreira hematoencefálica, que separa o cérebro da circulação sanguínea.
Já havia o relato de que, em humanos, o zika conseguia cruzar a barreira hematoencefálica, mas os casos conhecidos até então não eram acompanhados de dano neurológico.
Redescoberta
O experimento de Narang foi relegado então aos porões da história da ciência até que, no final de 2015, Jason Tetro, biólogo canadense que estuda a história da microbiologia, encontrou seu estudo.
Em artigo publicado em janeiro de 2016 na revista médica "Microbes and Infection", quando a ligação entre o zika e a microcefalia já havia sido noticiada pela imprensa de virtualmente todo o mundo, Tetro descreveu a história da pesquisa do vírus anterior a sua reemergência de 2007, mencionando Narang. O estudo de 1971 começou então a ser mencionado por outros cientistas e, em dois meses, recebeu o mesmo volume de atenção que havia demorado quatro décadas para acumular.
Desde o fim do ano passado, cientistas estão usando camundongos para tentar simular a infecção por zika. Nenhum trabalho teve resultado publicado até agora. Estudos de infecção usando métodos mais sofisticados, como aglomerados de neurônios cultivados em tubos de ensaio, já mostraram que o vírus é capaz de afetar o sistema nervoso
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