segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Raio X da mente

Um dos maiores problemas da psiquiatria é a escassez de exames para o diagnóstico. Se você suspeita ter quebrado a perna, o ortopedista pedirá imediatamente um exame de raios X. Se tem febre e dores, o clínico geral buscará num hemograma dicas sobre uma possível infecção. Já o psiquiatra tem o desafio de diagnosticar enfermidades invisíveis a não ser pelos sintomas comportamentais que os pacientes exibem.


E é aí que a porca torce o rabo, pois doenças bastante diferentes podem se expressar por meio de sintomas parecidos. Uma pessoa que dá entrada em um serviço psiquiátrico apresentando delírios e alucinações pode estar acometida de desordens tão distintas quanto a esquizofrenia ou o transtorno bipolar do humor. Nem a eletroencefalografia nem a imagem por ressonância magnética dirão de qual das duas se trata. Exames genéticos podem oferecer pistas, mas nada definitivo virá dessa informação. O estado do paciente psicótico é definido a cada instante por perturbações ainda excessivamente sutis para nossas lentes de investigação, por mais sofisticadas que sejam.
Como ainda não existe um mapeamento claro entre distintas causas biológicas e respectivas formas de psicose, resta ao psiquiatra aplicar questionários e escalas subjetivas, escutar o mais atentamente possível, consultar colegas e, finalmente, apresentar um diagnóstico preliminar. Em geral, o diagnóstico definitivo só é dado seis meses após o primeiro surto psicótico. Muitas vezes esse diagnóstico é revisto e o período de tratamento equivocado precisa ser encarado como uma fatalidade.
Uma alternativa para lidar com esse problema é esmiuçar matematicamente os sintomas exibidos pelos pacientes, buscando diferenças confiáveis entre psicoses de distintos tipos. Nos últimos anos, junto com a psiquiatra e doutoranda Natália Mota e o físico Mauro Copelli, professor da Universidade Federal de Pernambuco, tenho vivenciado a descoberta de que a quantificação da estrutura da fala dos pacientes permite realizar o diagnóstico diferencial da psicose com grande acurácia.
Esse é um dos problemas nos quais o Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão em Neuromatemática, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), do qual participo, vem fazendo avanços. Uma colaboração nossa com pesquisadores da Universidade Columbia, do Instituto Psiquiátrico do Estado de Nova York, do Centro de Pesquisa T. J. Watson, da IBM, e da Universidade de Buenos Aires mostrou que uma análise computacional do conteúdo semântico de entrevistas psiquiátricas permite prever o início da psicose em jovens de alto risco.
Esse resultado, recém-aceito para publicação no periódico NPJ Schiz-ophrenia, aponta na direção da combinação de análises estruturais e semânticas para realizar diagnósticos diferenciais muito mais sensíveis à forma e ao conteúdo dos sintomas, permitindo a identificação precoce das doenças e o acompanhamento quantitativo do tratamento.
Longe de substituir o julgamento do médico, o advento de exames objetivos promete aprimorar a clínica psiquiátrica e dar foco à pesquisa sobre as bases biológicas das doenças mentais. Para além de qualquer viés subjetivo, um mergulho matemático na mente.
Este artigo foi originalmente publicado na edição de Agosto de Mente e Cérebro, disponível na Loja Segmentohttp://bit.ly/1ORuiNB

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