sábado, 9 de janeiro de 2016

Desagregando o espiritual: a fabricação de pessoas e de complexos espírito-matéria em práticas mediúnicas

Disassembling the spiritual: the fabrication of persons and spirit-matter complexes in Afro-Cuban mediumship practices
Diana Espírito Santo1 
1Pontificia Universidad Católica de Chile – Santiago – Santiago – Chile
Na prática religiosa afro-cubana de Palo Monte, falar de espíritos ou entidades é frequentemente referenciar compósitos, conjuntos de materiais, substâncias e forças que não são nem redutíveis a noções cristãs de uma alma integrante e individual, nem a um conceito dualista da matéria. Como uma tecnologia de montagem e desmontagem, Palo Monte aniquila qualquer formulação simples de pessoalidade social, produzindo formas espirituais cujos contornos não são apenas dados pelas intenções de seus criadores, mas podem se tornar peças agregadas tanto de suas vítimas como daqueles que são protegidos por elas. Neste artigo, pretendo analisar os dividendos dessas noções e oferecer uma comparação etnográfica com o Espiritismo crioulo cubano.
Palavras-Chave: substâncias; montagens; pessoalidade; religião afro-cubana; Espiritismo crioulo
In the Afro-Cuban religious practice of Palo Monte, speaking of spirits or entities is often speaking of composites, assemblages of materials, substances and forces that are neither reducible to Christian notions of an integral soul or agent nor to a dualist concept of matter. As an assembly and disassembly technology, Palo Monte annihilates any simple formulation of social personhood, producing spiritual forms whose contours are not just given by their creator’s intentions but can become aggregated parts either of his victims or of those who are protected by them. In this article, I analyse the dividends of these notions and offer an ethnographic comparison to Cuban Creole Spiritism.
Key words: substances; assemblages; personhood; Afro-Cuban religion; Creole Spiritism
INTRODUÇÃO: GUARDIEROS E COMPLEXOS
Nos vários ramos da religião de inspiração africana em Cuba, as categorias de “espírito” e “coisa” (ou objeto) cruzam-se de forma sistemática, às vezes colapsando totalmente, tornando-se equivalentes, e, em outras, sendo forjadas através dos dispositivos de modos particulares de engajamento, como as de um especialista ritual, ou através dos passos envolvidos nas iniciações. Mas seria errôneo supor que “espíritos” e “coisas” denominam e implicam agências separadas por definição, ou que a “agência” em si requer um só “agente”, pensante, intencional, humano ou não. Na maioria das vezes, a agência aqui não pertence a determinadas formas espirituais, objetos ou elementos naturais por si só, mas à sua combinação, montagem e reconfiguração para fins designados em determinados momentos. A potência e a eficácia ritual derivam em grande parte da sinergia de forças, e não do seu desdobramento autônomo, em que algumas sinergias podem durar mais tempo do que outras, se aproximar mais ou menos com o que poderíamos chamar de “espírito” e/ou de “coisa”, e até mesmo do que poderíamos considerar como uma “pessoa”, ou tendo características de pessoa. Embora tanto o “espiritual” (no sentido de entidade espiritual) e o material (no sentido de objeto ou substância física) estejam implícitos em qualquer “composição” dessa índole e muitas vezes sejam diferenciados, tipos distintos de montagens são possibilitados por diferentes tipos de tecnologias rituais. Em Cuba, isto significa que nem “coisa”, nem “espírito” são sempre exatamente isso, uma coisa ou um espírito: todo um espectro de “coisificação” e “espiritualização” pode ser obtido, confundindo pressuposições de entidades atuantes independentes, inspiradas em grande parte em noções comuns de ação e intencionalidade individual (seja de espírito, seja de pessoa), nas quais o indivíduo é visto como um ser moral contido, desencadeador de efeitos. Vejamos o seguinte exemplo.
Na minha última visita a Havana, onde desde 2005 realizo trabalho de campo etnográfico com médiuns e crentes, pertencentes a práticas amplamente difundidas em Cuba e conhecidas como “Espiritismo Cruzado” (Mederos e Hodge Limonta 1991Millet 1996Bolívar, González e Del Río 2007), eu passei um tempo com dois dos meus mais próximos amigos e interlocutores, Eduardo e Olga, um casal de meia-idade. Além de médiuns espíritas experientes, ambos eram praticantes de longa data da religião de Palo Monte, um termo genérico que designa uma variedade de modos de engajamento ritual e cosmológico que se acreditam estar associados com os escravos de língua bantu em Cuba, sendo conhecido por muitos como a bruxaria definitiva.
Em visita anterior, Eduardo tinha sentido a necessidade de confeccionar uma proteção espiritual para a minha casa na Europa, pois percebeu que ela estava habitada por espíritos perturbadores e obstinados. A proteção – chamada de guardiero (guardião) – era composta por um prego de ferrovia preparado com alcatrão, sangue, mel, penas de aves e outras substâncias que ficaram ocultas para mim. Porém, o resultado dessa confecção era impressionante: o objeto não parecia mais um prego, dando a aparência de algo escuro e pontiagudo e longe de ser algo inócuo. Dentro dele estaria uma entidade espiritual que “organizaria” a anarquia de espíritos presente em minha casa, uma confusão que Eduardo alegava estar tomando seu pedágio em minha própria vida pessoal. Agora, dois anos depois, a confusão estando ordenada e resolvida, tal como minha vida, eu traria o guardierode volta. Na minha visão, ele teria feito seu trabalho e deveria ser devolvido ao seu mestre, ou, melhor ainda, liberto para o espaço. Como espíritas, cuja crença na ascensão das almas sobre preocupações terrenas é central (pelo menos para algumas almas), certamente Eduardo e Olga iriam concordar. Mas quando eu informei entusiasticamente ao Eduardo sobre essa intenção, ele olhou para mim perplexo. Libertá-lo? Compreendi, então, que eu havia entendido de forma completamente errada a natureza do objeto nas minhas mãos.
Na verdade, descobri que não só era improvável que o guardiero era um “ele”, mas que não haveria qualquer relevância possível para um conceito de “liberdade” (de ação, agência, autodeterminação etc.), porque não era um “alguém” com o qual estávamos lidando em um primeiro instante. Como explicou Eduardo, guardieros são formas espirituais, veículos que são “programados” e animados para cumprir missões específicas, mas eles não precisam de ser (ou pior, conter) espíritos. Guardieros (em sua totalidade) são compostos por “pedaços” de coisas: alguns serão pedaços de espíritos de pessoas que viveram e morreram; outros serão pedaços de natureza cuja energia é colocada em uso aqui; e ainda outros, partes das intenções e evocações rituais dos seus fabricadores. Os guardieros também podem ser “marcadores”, pontos específicos no espaço-tempo que outras entidades espirituais podem usar para localizar a pessoa em questão, permitindo que possam ir e vir, com o objeto servindo de referência. Eles constituem uma “sede” para a atividade espiritual, por vezes ocupado por um ou outro espírito. Em qualquer caso, uma vez que a sua missão é cumprida, esses compósitos poderão ser desmontados pelo especialista ritual, um Palero como Eduardo, e os seus elementos reencaminhados ou retornados à sua fonte, a Nganga, uma espécie de caldeirão de metal com o qual o Palero trabalha. Ao propor a esse guardiero a sua ascensão ou libertação pelos serviços prestados, eu teria separado duas coisas inseparáveis – a essência e a função do objeto ritual. Nesta situação, o guardiero era simplesmente a sua função, ou melhor, um conjunto de elementos funcionais nos quais havia sido depositada uma direção inicial.
Neste artigo, pretendo começar a entender melhor o que essa descrição sugere – não apenas a ideia de que objetos rituais, como o guardiero, são compostos de diferentes “pedaços” e, portanto, irredutíveis tanto ao espírito como à matéria, mas também que os próprios espíritos estão sujeitos a uma forma de hibridismo dada pela sua predicação sobre a matéria, sendo igualmente irredutíveis a agências singulares, definidas por conceitos eurocêntricos de alma ou pessoalidade. Esse hibridismo ontológico também aponta para a relevância do conceito de montagens ou coletividades em uma compreensão da própria pessoa e para a necessidade de melhor localizar o papel das tecnologias rituais na produção do ser religioso em Cuba, um ser que é sem dúvida indissociável de uma concepção de espíritos e de coisas materiais, agregáveis e desagregáveis. Se, por um lado, como argumenta Paul Johnson (2014), a possessão espiritual no Afro-Atlântico herda fortemente noções colonizadoras de propriedade e indivíduo moral, possessão econômica e material, dualidade de corpo e alma, e a natureza substituível do ser humano objetificado em um cosmos de transação econômica, as quais se refratam nas imaginações incorporadas dos seus praticantes, por outro, estas economias de espíritos e matéria não se reduzem à mimética, se não transformam as suas próprias premissas e condições, explorando suas possibilidades existenciais de um modo prático e também filosófico.
Ao mesmo tempo em que incidirei essencialmente sobre a prática de Palo Monte, inspirada pela caracterização da Nganga de Stephan Palmié como algo que traz à mente “concepções de interdependência funcional organísmica” (2006:861, tradução nossa), confundindo os limites entre espíritos e coisas, e pessoas e coisas, buscarei também problematizar as noções de pessoa que emergem do desenvolvimento da mediunidade nas práticas contemporâneas do Espiritismo Cruzado, uma tradição com raízes euro-americanas que se desenvolveu na ilha de forma crioula. Nessa prática, as pessoas expandem-se através da cultivação de suas relações com os espíritos, da mesma maneira em que os espíritos através de pessoas e da matéria. Se, em Palo, os espíritos podem ser literalmente confeccionados por meio da manipulação ritual, no Espiritismo vemos a própria pessoa como uma montagem ou um sistema de seres, vivos e mortos, pulsando com intensidade tanto intermitente como emergente. As formas de agência distribuída engendradas por essas duas práticas contrastam significativamente com entendimentos do “agente” como um ser essencial e intencional, fechado sobre si mesmo. Em outras palavras, chocam-se com a visão ocidental, relativamente recente, do indivíduo como “indivisível”, derivada em grande parte de concepções religiosas Tomsianas do ser humano como ser completo, e não intercambiável nas suas substâncias e subjetividade (Santos-Granero 2012:181). Nesse sentido, este trabalho também estará em linha com o corpo da literatura recente sobre a mútua implicação de substâncias, relações e pessoalidade nas sociedades Amazônicas (Conklin e Morgan 1996McCallum 1999Vilaça 2005) e outras (Strathern e Lambek 1998).
“De Agostinho até o presente temos tido uma concepção do Self que distingue a vida interior da exterior, e a espiritualidade tem sido associada em grande parte com a interior”, diz a teóloga Nancey Murphy (2006:30, tradução nossa). Embora a distinção entre espírito (ou alma) e corpo não seja a mesma que existe entre interior e exterior, Murphy argumenta que sua origem histórica remete ao dualismo de Agostinho. A alma veio a ser concebida como tendo um “espaço” próprio, dentro do corpo, que por sua vez seria a chave para encontrar Deus. As consequências de tais concepções têm sido escrutinadas, por exemplo, por filósofos da história religiosa, como Charles Taylor (19922007), bem como por antropólogos que trabalham com movimentos da Nova Era, como Paul Heelas (1996), cuja ênfase está na autoespiritualidade e no cultivo de um “eu” (Self) que ao mesmo tempo abraça e rejeita os ideais do individualismo e racionalismo moderno. Não há dúvida de que os conceitos de “eu” estão internamente ligados às lógicas pelas quais são reificadas diferenças entre o que é material e imaterial, real e imaginário, espírito e coisa, assim por diante (Ingold 2006). Na maioria da Euro-América, tais fronteiras parecem ser esculpidas de acordo com eixos predominantemente “verticais” – o “eu” (Self) ou a alma (ou, ainda, a alma como o eu) está localizado nos recessos do corpo ou mente, sujeito à ascensão (ou liberação) após a morte, ou à descoberta (e recuperação) ao longo da vida através da psicanálise. Como diz Miller, “a relação entre a materialidade e a imaterialidade não é mais simples em domínios seculares do que é em domínios religiosos” (2010:74-75, tradução nossa).
De acordo com Lakoff e Johnson (1980), os mitos da “objetividade” e “subjetividade” como estados mentais em linguagem popular reforçam a dicotomia entre a verdade e a razão, por um lado, e a imaginação e o sentimento, por outro, os últimos não sendo considerados como passíveis de medição, talvez relacionados precisamente com a persistência de metáforas de “profundidade” em relação aos discursos do “eu” (Self). De fato, o corpo material é amplamente considerado o marcador “objetivo” da subjetividade, embora isso seja altamente problemático, como é demonstrado nos tipos de dilemas de identidade pessoal colocados por questões de transplantes de órgãos (Lock 2001Palmié 2006). Como Janice Boddy (1998) observa em relação às sociedades melanésias e africanas, mesmo corpos podem se formar a partir do corpo dos outros, confundindo assim essas configurações ontológicas. Em muitas dessas sociedades “corpos abrangem e expulsam o outro, substâncias corpóreas se movem entre eles. [...] Tais corpos são compostos, não são entidades inerentemente autônomas” (Boddy 1998:263, tradução nossa). O mesmo poderia ser dito de “mentes”, como quer que estas sejam definidas. A ideia de que a cognição é um processo individual que ocorre dentro de mentes individuais foi refutada tanto filosoficamente (Clark e Chalmers 1998) como etnograficamente (Hutchins 1995). Ao contrário, da mesma maneira em que se tem tornado mais comum na antropologia compreender a personalidade relacionalmente, em termos de relações sociais e materiais de vários tipos, a cognição também tem sido analisada como distribuída.
Argumentarei neste texto que em Cuba a natureza horizontalizada das relações matéria-espírito tem consequências específicas, nomeadamente formas de pessoalidade que nascem a partir da fluidez, divisibilidade e permutabilidade de questões da matéria e questões de espírito. Enquanto eu hesitaria em entender a “pessoa” religiosa afro-cubana em termos “dividuais” ou “divisíveis” (Strathern 1988), e evitaria mesmo falar de algum “modelo” abstrato de pessoa religiosa afro-cubana, pois não há tal coisa, gostaria de explorar a possibilidade de que o Espiritismo e o Palo Monte, ambos os quais trabalhando com os espíritos dos mortos, embora de maneiras bastante diferentes, fornecem ao cliente e ao especialista ritual uma base de tecnologias de autoprodução efetiva através de formas de montagem e, por vezes, o seu oposto, técnicas de desmontagem e desconstrução de seres e espíritos. Mas isso requer mais do que conceber a matéria e o espírito como extensões de pessoas, ou como veículos ou representações de vontades humanas ou de crenças. Exige pensar em termos de “complexos” (como Palmié sugeriu para Palo) em vez de entidades, complexos cuja capacidade de agir e produzir efeitos deriva de uma coordenação entre as múltiplas “coisas” montadas, até por vezes na ausência de um coordenador. Assim, requer pensar o conceito de “extensão” como um processo mútuo, e até mesmo imprevisível, entre supostas fronteiras ontológicas.
Montagens e tropos no Palo Monte
Ao contrário da Santería, sem dúvida o mais conhecido culto religioso afro-cubano de Cuba, a lógica de Palo Monte sustenta-se na premissa da montagem e remontagem contínua de matéria e espírito, embora com uma base dada através da iniciação. Na Santería (ou Regla de Ocha, como também é conhecida), uma religião associada à África ocidental e particularmente à cosmologia Ioruba (Brown 2003), um indivíduo “recebe” e, de certa forma, torna-se parte de sua divindade tutelar – o oricha –, ou seja, através da iniciação, cria um novo “ser” em seu lugar, uma simbiose única entre o deus e a pessoa que é alimentada por meio de troca, sacrifício e obediência. Embora o oricha possa virar as costas à sua “filha” ou “filho”, é uma relação obtida para a vida; entidade e pessoa são constituídas por ela, e essa constituição é um processo progressivo, exigindo obrigações rituais e adoração contínua, mas apresentando-se como irreversível. Sendo uma religião com uma dimensão “material” reconhecida, a Santería é um bom exemplo de como as coisas também podem ser espíritos e vice-versa. Miguel Barnet (2001:27, tradução nossa) diz que:
[...] como acontece com os Ioruba da Nigéria, o foco ou a fundação da Santería cubana é a pedra (otá), na qual as propriedades mágicas dos poderes (forças da natureza e divindades) estão assentados. Estas pedras polidas e redondas, geralmente encontradas em rios, são os recipientes das divindades, e os devotos deveriam levá-las com eles, pelo menos durante os rituais mais importantes.
Os devotos referem-se a essas pedras, bem como aos vasos de cerâmica nos quais são colocadas, como “recipientes”, enquanto as chamam também pelo nome da divindade cuja força mágica elas incorporam, como por exemplo, Ochún ou Changó, transformando os dois em equivalentes, linguística e conceitualmente. As pedras simplesmente são o oricha ou santo.
No entanto, um exemplo muito mais óbvio do emaranhamento entre coisas e espíritos é a própria Nganga de Palo Monte, um “recipiente” de “coisas”, mas também uma poderosa entidade em si mesma. A seguir, vemos como Lydia Cabrera, uma das primeiras etnógrafas de Cuba, a descreveu.
É um espírito, uma força sobrenatural, mas é também um receptáculo, uma panela de barro, um caldeirão de metal de três pernas, e num tempo já distante era uma vez uma caixa de pano ou invólucro no qual era colocada a terra de uma encruzilhada e de um cemitério, paus, ervas, ossos de aves e animais, e outros componentes que constituem uma Nganga e que foram os apoios que os espíritos e as forças que a mãe ou o pai (proprietário) da Nganga dominaria, necessários para cumprir suas ordens. A Nganga também significa os mortos (Cabrera 1998:126, tradução nossa).
Nganga Nkisi é o nome dado ao perito ritual, mais conhecido em Cuba atualmente como Palero ou Tata Nganga. Ngangas podem ser herdadas de familiares ou parentes religiosos e também podem ser feitas, “nascidas” de uma Nganga mais velha, muitas vezes maior, pertencente ao padrinho de iniciação, o Tata. O componente mais importante desse nascimento é a aquisição do muerto, o espírito de uma pessoa falecida com a qual pacta o Palero e que depois habita a sua Nganga, onde seus ossos também estarão, ao passo que Ngangas são geralmente consagradas a uma divindade mais poderosa, como Sarabanda, que está associado na Santería com o deus Oggún. Ngangas são mundos em miniatura (Cabrera 2000), microcosmos em que o universo está modelado ou simulado para que o Palero possa, em seguida, orquestrar a mudança, a manipulação e a montagem. Mas Ngangas também são seres vivos, independentemente dos seres que as podem habitar, seres que devem ser periodicamente “alimentados” de sangue, álcool e outras substâncias.
Existem várias versões de Palo Monte em Cuba, incluindo a Brillumba, a Kimbisa e o Mayombe, conhecidas coletivamente como Reglas de Palo, as quais expressam a preocupação com a comunicação com os mortos enquadrada em grande parte dentro de cosmologias cristãs e africanas. De acordo com Fuentes Guerra e Gomez, em Regla de Palo, “a essência das crenças bantu – a adoração dos ancestrais – é deslocada para o culto da Nganga” (2004:21, tradução nossa): a família do escravo desintegrou-se e seus mortos ancestrais foram deixados na África; por esta razão, muitos dos ritos relacionados ao parentesco desapareceram. As iniciações consistem em dois ritos específicos: o rayamiento, no qual o neófito recebe uma série de pequenos cortes em seu corpo, cujo sangue coletado é adicionado à Nganga do padrinho; e nacer arriba de Nkisi, o nascimento do neófito e sua nova Nganga, desenterrada do chão onde havia sido colocada. No final desse processo, o iniciado terá recebido um novo nome e se juntado a uma nova família, de vivos e mortos. Mas Palo não é apenas para os iniciados.
O Palo é conhecido, no imaginário popular religioso e entre crentes, como a forma mais potente de bruxaria (brujería), associada à resolução de problemas quotidianos que vão desde a doença e a morte iminente aos conflitos familiares, a recuperação de amantes extraviados e os dilemas financeiros e profissionais. Paleros recomendam banhos e medicamentos, e realizam rituais de exorcismo para quebrar energias arraigadas criadas por trabalhos alheios de bruxaria – enviaciónes, espíritos enviados, por exemplo. Stephan Palmié diz que:
Em contraste com Ocha, se diz que Palo é mais bruto (“rustico”), mas também muito poderoso (“muy fuerte”), violento mas rápido e eficaz (“violente”, “trabaja rapido”, “muy efectivo”); ele é associado com os mortos, em vez de seres divinos (“cosas de muerto”) e com a paisagem não cultivada (“cosas de monte”) em vez de habitada por humanos, e, portanto, espaços socializados (Palmié 2002:164, tradução nossa).
A análise de Palmié das dimensões moralizadas de Palo Monte sugere a centralidade de símbolos de trabalho assalariado, subalternidade, dominância e escravidão (2002:167). Enquanto o Palero cria uma relação de mútua dependência ao seu espírito, ele é o mestre da magia, o dono do seu espírito-escravo. Que a natureza assimétrica dessa relação possa ser revertida de forma dramática é demostrado nas histórias abundantes de Paleros cujos perros (espíritos de Nganga) se voltaram contra eles destrutivamente, consumidos pela ganância por mais recompensa e poder, tal como seus mestres. Palmié argumenta que o tropo fundamental de Palo é a plantação de produção, “um empreendimento que repousa sobre o acoplamento produtivo entre os seres humanos objetivados e os objetos desumanizantes”, como as máquinas a vapor empregadas nas plantações de açúcar, cujos moinhos e equipamentos de ferver literalmente devoravam o capital humano (2006:861, tradução nossa). Para Palmié, a Nganga é um conjunto que “constitui mais do que a soma de suas partes” (2006:861, tradução nossa), um objeto composto de diferentes peças que entram em relações sinérgicas, animando-se mutuamente.
Mas, enquanto que a principal premissa de Palmié é que este complexo evoca imagens de dominância e subalternidade, bem como das relações de mercado de exploração e da mercantilização das pessoas e das coisas, mais interessante para os meus propósitos neste artigo é sua observação de que a Nganga é uma “estranha mistura de pessoa objetivada e objeto espiritualmente animado” (Palmié 2006:863, tradução nossa), na qual vemos o espírito como incapaz de separar-se da personificação que recebeu através da ação ritual do Palero. O espírito torna-se uma extensão do seu proprietário, que pode entrar em possessão com ele e, assim, ver através dos olhos do seu espírito, mas também através dos vários tipos de missões que este espírito pode executar em nome do proprietário em troca de pagamento. O espírito também se torna a matéria à qual está consagrado, uma união dissolvível apenas pela morte do Palero e, mesmo assim, se o espírito admitir tal dissolução. Mas pode-se dizer que o Palero é igualmente uma extensão do espírito ou, pelo menos, indissociável dele, desde o momento em que os dois consagraram seu pacto. Na verdade, uma mistura formal das coisas e dos seres (incluindo o ser do iniciado) deve ser conseguida como uma premissa inicial do funcionamento da Nganga. Como Palmié (2006) também observa, e ao qual me referi acima, as Ngangas de membros mais jovens de uma casa religiosa terão de ser “semeadas” com alguns dos conteúdos do objeto original da casa, “nascendo”, portanto, a partir deles. Ademais, certos materiais retirados dessas Ngangas maiores serão esfregados nas incisões e cortes nos ombros, peito e pulsos do neófito, misturando-se com as suas próprias substâncias corporais. Uma “coisa” híbrida, assim, nasce, ganhando sua existência por meio das relações estabelecidas entre Palero, Nganga e o espírito amarrado à Nganga, chamado perro ou nfumbi. A caracterização da Nganga como um “complexo” também é relevante à luz da história que eu contei no início, na qual postulei oguardiero como espécie de agência coletiva, implicando uma capacidade de construção, substituição e desintegração de espíritos. Porém, a fim de demonstrar isso de forma mais convincente, devo explorar mais profundamente a ideia de que a Nganga é um conjunto de “pedaços” ou “fragmentos”, tanto fixos como que podendo ir e vir. Devo também mostrar como as próprias pessoas, enquanto vítimas ou atores, estão sujeitas a um tipo análogo de substituibilidade, ou pior, da predação dos seus componentes ou “pedaços”, mais especificamente, através da feitiçaria.
Enquanto que um dos dispositivos fixos da Nganga são os ossos de uma pessoa falecida – o crânio, as tíbias, ou quaisquer outras peças disponíveis do esqueleto restante –, um dos seus componentes transitórios mais óbvios é o crucifixo, um fator crucial na determinação do tipo de trabalho e com quais tipos de entidade se torna possível. Luis, um amigo e Palero de longa data, afirma que:
Há pactos que, por exemplo, com a Nganga cristã, você pode retirar o crucifixo, você fala com os mortos [da Nganga] em alguma situação específica, e que você diz para eles – neste momento o diabo deve ser combatido com o diabo e agora é a hora de lutar forte. Em vez de uma vela branca você vai acender uma preta, e você coloca uma máscara para que o “outro” a quem você está enviando seu espírito não vai reconhecê-lo, e então você pode fazer o trabalho (entrevista Luis, Junho 2008).
Naquele momento, a Nganga muda de “cristã” para “judia”, como os cubanos dizem; isto é, o “complexo” sofre uma mudança de registro. Mas, como Luis também me conta, trabalhar para o “mal” pode também se tornar, em última análise, um modo de conseguir a autoaniquilação do Palero, especialmente se for feito por tempo suficiente: “ele começa a comer você, mentalmente, e rasga a pessoa por dentro. As pernas da pessoa começam ficando fracas, ele começa perdendo sua memória, dizendo coisas loucas, ofendendo as pessoas ou ameaçando-as, eles podem ficar doentes” (entrevista Luis, Junho 2008). A perda da casa, a alienação da família, a cadeia e o encontro com uma morte medonha também são típicas deste tipo de descrições, que apontam para as consequências da perda de controle sobre o complexo Nganga. Em suma, o agressor começa a experimentar o mesmo tipo de desmontagem da sua pessoa, social, psicológica e física, que é infligida aos destinatários de seus atos, isto porque trabalha com entidades obstinadas com a decomposição do corpo e da alma de suas vítimas.
Outro componente – ou melhor, conjunto de componentes – que é adicionado à Nganga durante todo o curso de sua existência são espíritos de diferentes naturezas e origens. O nfumbi não opera a Nganga sozinho: como muitos praticantes explicam, o Palero terá à sua disposição um exército de entidades acumuladas ao longo do tempo por ele e integradas no funcionamento do Nganga, à medida que surja a necessidade. Eles tornam-se peças soltas, até às vezes de reposição, do complexo da Nganga. A maioria destes serão seres inferiores ou escuros que foram capturados e “presos” (muitas vezes em garrafas) no momento em que o Palero desfazia trabalhos de feitiçaria enviados no seu caminho ou no de um cliente. Em seguida, estes espíritos são reencaminhados para o trabalho da Nganga, destruídos ou enterrados para uma ocasião futura. Objetos como oguardiero, ou qualquer outro objeto de proteção, como um resguardo (que muitas vezes pode ser um pequeno saco de tecido) ou uma mpaka, feito com chifre de um touro, estarão preparados para agir com e em nome de vários espíritos ligados à casa da Nganga mãe. Os insetos, plantas, minerais, sangue animal, e assim por diante, que participam na feitura desses objetos de proteção, são pensados para capacitar e dar direção a essas entidades, assim como as orações e músicas executadas durante a sua confecção.
No entanto, eles não são apenas uma referência material para os espíritos ou o seu veículo: entende-se que osmuertos são feitos também através desta embalagem ou, no mínimo, são possibilitados. Em resposta às minhas perguntas sobre a natureza do guardiero e outros objetos semelhantes, Eduardo constata que este pode ser entendido de diferentes maneiras, ou como coisas diferentes. Por vezes, é o espírito de uma pessoa (ou uma ex-pessoa) que é fixado à trajetória do guardiero e sua missão; mas, em muitas outras ocasiões, o muertopode realmente ser “composto” de uma série de outras “coisas”. Eduardo descreve o que algumas delas são: por exemplo, elementales, seres espirituais pré-históricos ligados aos quatro elementos; cascaronas astrales, órgãos ou cadáveres de energia deixados por seres humanos desencarnados, mas que podem ser temporariamente “ocupados” por outros espíritos que lhes dão intenção e propósito; a própria força da Nganga, fundamentada nas suas variadas peças naturais e nas propriedades dos objetos que ela contém. A definição de Eduardo do que é um espírito em Palo prejudicou seriamente meus preconceitos Cartesianos. Afinal, se umacascarona astral que exibe agência e para todos os efeitos atua é apenas um tipo de pele tridimensional habitada e animada por uma conjunção de outros materiais e formas espirituais em articulação, então o que é ou não um agente ou um actante aqui é tudo menos óbvio. Mas o fato de algumas entidades serem fabricadas ou compostas não implica, contudo, que estas careçam de vitalidade, como atestam os contos vibrantes de bruxaria que circulam por Havana.
Em Palo, a feitiçaria funciona ao quebrar aspectos cruciais da saúde física e mental da vítima ou de sua vida social e econômica (o que pode acontecer também com o Palero, como já mencionado acima). Ela pode ser concebida tanto como um processo de desmontagem, no sentido de que a pessoalidade é dizimada, pedaço por pedaço, quanto um processo de remontagem, na medida em que as entidades que fazem tais artimanhas se introduzem na composição da pessoa – sua mente, corpo e relações sociais – a fim de atrapalhar e implodi-la. Talvez não seja surpreendente que se pense que as chamadas enviaciones trabalham ao induzir lentamente a insanidade, em que a vítima acaba por desmembrar sua própria vida involuntariamente, o trabalho sendo feito, portanto, a partir de “dentro” e sendo eficaz precisamente porque passa despercebido. A vítima acredita que a “coisa” espírito-matéria ruim é na verdade um de seus espíritos protetores, baixando suas defesas. “Ter” ou “estar com” um muerto oscuro (uma entidade escuro) em você, como as pessoas dizem, é exatamente isso: o “ter” significa que ele possui a pessoa tanto como o contrário. “Eu não era eu mesmo” é um comentário retrospectivo comum em relação a este ponto. Os exemplos de miséria nas mãos de muertos oscuros são numerosos. Mas a ideia é que a existência da pessoa pode ser adulterada, invadida, reconfigurada, e sua vida às vezes até mesmo substituída por outras, como nas operações de cambio de vida, míticas trocas de vida, nas quais uma pessoa pode ser salva da morte por meio da transferência de sua bruxaria, doença ou mau carma para uma boneca, uma galinha ou mesmo outro ser humano (hipoteticamente). Aqui não são apenas almas ou corpos, mas destinos que podem ser substituídos, apagados, criados de novo. O cambio de vida confunde as coisas com os espíritos e com as pessoas de maneira flagrante, pois, através de mecanismos de identificação ritual, as pessoas se tornam temporariamente objetos, os objetos se tornam espíritos, e os espíritos ativam ou desativam a vida material por meio da manipulação material.
Mas o Palero não é simplesmente um mestre de fantoches que organiza esses assuntos de uma distância segura: a sua agência é muitas vezes transformada em evidência tangível, visível. Daniel, um jovem Palero e recente vítima de bruxaria de um inimigo religioso, descreve perceber um espírito que tinha sido enviado para destruí-lo: “Eu acordei e vi o espírito de pé ali à minha frente. E de repente ele se desdobra e se transforma no rosto da pessoa que fez o trabalho” (entrevista Daniel, Dezembro 2011). Não é à toa que, segundo certos praticantes, máscaras são frequentemente usadas por autores dos piores tipos de feitiçaria. Os espíritos de Palo são partes irredutíveis de complexos nos quais o Palero participa: sua intenção, pedaços de sua própria energia espiritual, até a sua voz pode ser ouvida através das entidades que ele envia para o mundo. Isso é demonstrado, entre outras coisas, na ideia de que a destruição de um espírito de Palo pode significar a simultânea destruição de seu remetente. Dayla, uma Palera de meia-idade, conta a seguinte história. Com vinte e poucos anos, ela foi objeto de um ressentimento persistente por parte de uma ex-amiga, com quem ela viveu. Uma tarde, quando Dayla estava se preparando para um passeio com os seus amigos, na varanda de sua casa, ela começou a se sentir estranha: se sentiu enjoada e com uma pressão intensa pesando sobre seus ombros e costas. Ela entendeu que era o espírito de um homem, impedindo-a de pôr-se de pé ou em movimento. Instintivamente, ela rastejou até a cozinha e pegou um ovo, limpando seu corpo com ele. Em seguida, ela mergulhou o ovo em álcool e acendeu com fogo. Ela fez isso mais duas vezes. Quando ela acendeu o terceiro ovo, Dayla viu uma nuvem de fogo e fumaça em espiral viajando para cima no ar como um pequeno tornado e ouviu um som bizarro e de frequência baixa a ser emitido a partir dele. Ela sabia que tinha sido feitiçaria, provavelmente proveniente de sua amiga desafetada. Algumas horas mais tarde, Dayla é informada por telefone que essa mesma amiga tinha adoecido de repente e estava no hospital. Uma segunda chamada lhe comunicou que essa pessoa havia morrido. As ações de Dayla tinham naquele momento perfurado e desfeito as ligações existentes entre as entidades maléficas e a vida humana envolvida na construção de suas feitiçarias, revelando ao mesmo tempo a sua capacidade de se desmontar ou desagregar.
Algumas considerações sobre agência e ação
Palo nos apresenta uma antropologia instigante, não facilmente enquadrada, no entanto, através dos termos ou dos conceitos que são moeda comum em nossa disciplina. Talvez parte deste problema é uma continuada ênfase sobre o “objeto” em si: objeto como fetiche, objeto como portador de significados (Manning & Meneley 2008:287), objeto como signo, objeto como pessoa, e assim por diante. No que diz respeito à última categoria, o entendimento de Alfred Gell (1998) de agência, pessoalidade e materialidade tem sido extremamente influente. A ideia de que os artefatos, objetos e outras obras estéticas podem ser pessoas, na medida em que prolonguem, distribuem e dispersam a mente e a agência de uma pessoa no espaço e no tempo, é uma de suas principais contribuições para a antropologia da arte e não apenas. Gell argumenta que, “porque a atribuição da agência baseia-se na detecção dos efeitos da agência no meio causal, ao invés de uma intuição sem mediação, não é paradoxal entender agência como um fator do ambiente como um todo, uma característica global do mundo de pessoas e coisas em que vivemos, e não como um atributo da psique humana, exclusivamente” (1998:20, tradução nossa). Essa é uma descrição bem adequada para os dados etnográficos expostos acima. No entanto, para Gell, as “coisas” (things) são apenas agentes secundários, essenciais, “com suas propriedades causais de coisas” para o exercício da agência como estados de espírito (1998:20, tradução nossa), e através do qual os agentes primários distribuem sua agência. Como Henare, Holbraad e Wastell argumentam, “agência, aqui, permanece irredutivelmente humana na sua origem, e seu investimento em coisas é necessariamente derivativo” (2007:17, tradução nossa); em outras palavras, a diferença analítica entre pessoa e coisa é reafirmada, não questionada. Enquanto Gell de alguma maneira suaviza as fronteiras entre as formas interiores e exteriores da pessoalidade, ele só faz alusão a uma definição mais ampla de agência que possa ser de utilidade para nós aqui, em última análise, descartando-a por meio da sua definição de objetos como “índices” testemunhadores da existência biológica de indivíduos (Munn 1986). Em alguns sentidos, o argumento da pessoa distribuída de Gell funciona bem para o Palo Monte. Como um complexo, a Nganga executa, realiza e distribui a agência do Palero. Mas, entendida em termos nativos, não é apenas isso. Ngangas são seres viventes, coisas pulsantes e dinâmicas através e nas quais se atinge uma espécie de agência coletiva, uma agência que é, além disso, muitas vezes imprevisível e irredutível às próprias intenções do Palero. Como Todd Ramón Ochoa sugere, uma linguagem para o Palo tem que ter as condições para uma nova materialidade (2007:486).
Uma forma talvez mais simétrica de entender a matéria em Palo seria pragmaticamente, através de seus efeitos. A definição de ação e, portanto, de agência, de Bruno Latour, é elucidativa a este respeito. Ele afirma que um “ator” “não é a fonte de uma ação, mas o alvo em movimento de um vasto conjunto de entidades que pululam em direção a ela. [...] Por definição, a ação é deslocada. A ação é emprestada, distribuída, sugerida, influenciada, dominada, traída, traduzida” (Latour 2005:46, tradução nossa). Como um objeto de estudo, a ação é inerentemente incerta, ambígua, conforme sugere Latour, o que deve levar o pesquisador a identificar e descrever a miríade de conexões e associações entre coisas, pessoas e eventos que levam a ela. A observação de que “a mais poderosa visão das ciências sociais é que outras agências sobre as quais não temos controle nos levam a fazer as coisas” (Latour 2005:60, tradução nossa) é altamente pertinente. Para Latour, a fim de ser contabilizados, os objetos têm que entrar nas descrições (2005:79). Seu ponto aqui é metodológico principalmente. As pessoas e as não pessoas deverão ser descritas com a mesma prioridade ontológica e através dos mesmos termos. Os formatos de todas as pessoas e todas as coisas surgem relacionalmente, como partes de grandes redes de associações – são híbridas ipso facto e, nesse sentido, os seres humanos e não humanos não podem ser separados, porque a sua “purificação” sempre cria mais híbridos. Como Henare, Holbraad e Wastell afirmam em sua introdução ao Thinking Through Things, “Latour oferece uma nova metateoria em que a inclusão de híbridos não humanos/humanos retrata tudo como uma rede de entidades que violam a divisão objeto/sujeito” (2007:7, tradução nossa). Mas, em contraste com ele, esses autores defendem uma metodologia que pode gerar, em vez de uma só teoria, uma multiplicidade delas, nas quais as “coisas” em si podem ditar uma pluralidade de ontologias (Henare, Holbraad e Wastell 2007).
Para descrever alguns aspectos da religião afro-cubana, eu também acredito que um certo relativismo radical é necessário, para que não acabemos por reproduzir conceitos inadequados para o nosso material etnográfico. Em Palo, como em algumas outras práticas religiosas afro-cubanas, a ação é deslocada e distribuída, como Latour sugere, mas, a meu ver, é devido à existência de uma ontologia muito específica do “eu” e da pessoa (Self, Person), um “eu” que não é apenas adicionado a outras “coisas” ou espíritos através da associação, mas delas emerge. Minha ideia principal é que o conceito de “complexo” de Palmié deve ser entendido num sentido mais amplo, como revelador de uma pessoalidade que emerge de uma espécie de “ecologia” de agências e ações. Explorei até que ponto isso faz sentido no Palo. Agora vou terminar com uma breve incursão no processo de desenvolvimento de espíritos na prática predominante de Espiritismo Cruzado, um processo que transforma o médium de uma pessoa delimitada em um “sistema” de “eus”, materializado e ativo. Espero mostrar nesta próxima seção, como uma forma de concluir este artigo, a utilidade de deslocar a discussão sobre “objetos” e até mesmo “matéria” para uma reflexão sobre pessoalidade, em que o “eu” (Self), como ator, “não é a fonte de uma ação, mas o alvo em movimento de um vasto conjunto de entidades que pululam em direção a ele” (Latour 2005:46, tradução nossa), sejam estas entidades materiais ou imateriais.
SISTEMAS, SELF E UMA BREVE CONCLUSÃO
O Espiritismo crioulo (ou Cruzado) articula uma noção de pessoa que impacta substancialmente em outras formas de prática religiosa afro-cubana em Havana, incluindo o Palo Monte, pois apresenta um entendimento da emergência da pessoa e sua agência fundamentada em características sistêmicas. No início deste artigo sugeri que, em contraste com um entendimento ocidental de espírito, que pode ser visto como relacionado com questões de profundidade (do “eu”), as concepções de espírito no Espiritismo e no Palo são melhor compreendidas ao longo de um eixo “horizontal”, em que ele é distribuído, não contido. Mas isso requer alguma análise, nomeadamente em relação ao Espiritismo, cuja gênese é de fato euro-americana e, mais especificamente, um produto das preocupações classificatórias e evolutivas vitorianas. Para entender como o Espiritismo se relaciona com Palo e, de fato, com a Santería, por exemplo, é necessário localizar o papel das “coisas” materiais em sua horizontalização em Cuba e, portanto, também em um entendimento local de pessoa.
O leitor deve estar ciente de que, embora o Espiritismo seja um fenômeno mundial, nasceu pelas mãos do francês Allan Kardec (1804-1869) em meados do século XIX. As principais publicações de Kardec – O Livro dos Espíritos (1857) e O Livro dos Médiuns (1861) – formaram a base do que viria a ser uma das exportações mais bem-sucedidas da França (Sharp 2006). Como movimento, o Espiritismo ganhou terreno em um espaço cada vez mais secular, particularmente na América Latina, oferecendo ao crente desencantado uma compreensão de sua alma através dos princípios da reencarnação sucessiva e das leis que guiam a interação necessária entre um mundo material e espiritual, agora acessíveis na ausência de intermediários sancionados. Com doutrina composta essencialmente de questões que Kardec colocava a espíritos intelectuais através de médiuns em forma metódica e das respostas que ele posteriormente transcrevia, o Espiritismo não era religião – era ciência, filosofia e moral, tornando-se, sem dúvida, um dos jogadores-chave em uma nova era de materialismo religioso triunfante (Vasconcelos 2008Washington 1995).
Em Cuba, o Espiritismo é mais experimentado como uma “tecnologia” para a produção de informação e de pessoas do que uma filosofia ou ciência de qualquer espécie. Sabemos que o Espiritismo foi praticado e difundido em Cuba primeiramente por uma elite crioula, liberal e com aspirações de independência (Brandon 1997), nomeadamente contra os desejos da Igreja Católica, e que os primeiros centros espíritas priorizavam a doutrina e um compromisso “científico” com os espíritos e suas mensagens. De fato, alguns desses centros ainda existem, tendo informalmente sobrevivido à sua dissolução oficial por parte do governo socialista na década de 1960 (Espírito Santo 2010Ayorinde 2004). Mas sabemos também que certas metodologias espíritas, como a prática da mediunidade e da incorporação, e certos conceitos, como o da “evolução” e o do espírito protetor, foram absorvidos e convertidos em ferramentas úteis entre os praticantes da religião afro-cubana mais ampla, criando um Espiritismo mais orgânico e responsivo. É esta forma de Espiritismo que predomina no ambiente religioso de Havana.
Conhecido por alguns como Espiritismo Cruzado, os conjuntos de práticas que este termo abrange assumem, como Kardec indicava, um mundo de espíritos em conexão permanente e íntima com a vida humana e material, bem como o papel do médium como a voz das demandas, conselhos e visões dos mortos. Estes espíritas realizam ritos de possessão em conjunto, como a popular misa espiritual, e dão consultas privadas com vários tipos de oráculos, a fim de verificar as identidades e desejos dos espíritos que afetam os seus clientes e, ocasionalmente, limpar entidades indesejadas dos corpos e das vidas que elas interrompem e molestam. Com efeito, uma das principais tarefas do médium espírita é o discernimento: diferenciar os componentes “inerentes” da constituição espiritual de uma pessoa daqueles que são contingentes e indesejáveis. Médiuns espíritas cubanos postulam que cada pessoa nasce com um conjunto de proteções espirituais (chamado decordón espiritual) que pertence a ela e a orienta ao longo de sua vida. Estes muertos diferem na sua finalidade e qualidade daqueles espíritos com os quais uma pessoa pode estabelecer um vínculo ritual permanente ou transitório – como um espírito de Palo ou, de fato, um ancestral religioso – e daqueles que a pessoa pode, involuntariamente, adquirir, quer através da bruxaria dos outros (entidades como o muerto oscuro mencionado acima), quer por meio da atração (como os membros falecidos da família que têm dificuldade em desfazer os laços terrestres), ou acidentalmente (como espíritos necessitados que se colaram à pessoa em cemitérios, por exemplo). Essa diferença é fundamental, porque revela uma visão importante do eu/outro que é consequente para uma compreensão antropológica da pessoa neste contexto como sistema mais amplo de entidades, como o “eu” visto por meio de sua alteridade.
Em sua discussão sobre o lugar do Espiritismo no campo religioso afro-cubano, Stephan Palmié sugere que o médium espiritista constituiu, historicamente, um novo tipo de tecnologia comunicacional (2002:165) ligando os espíritos anteriormente indisponíveis dos recentes mortos com os seus descendentes vivos no interior dos ramos religiosos afro-cubanos, incluindo o Palo Monte e a Santería, para os quais os eggún familiares e religiosos são centrais. A ideia principal é que o processo de escravidão e a organização social dos escravos em Cuba deslocaram e aniquilaram importantes ritos de culto ancestral, e o Espiritismo veio preencher um vazio ontológico. Entretanto, esta nova “tecnologia” não seria apenas ritual mas também conceitual. Os médiuns espíritas não estariam apenas posicionados para penetrar uma camada de seres de outra forma obscura e inacessível – os mortos rituais e religiosos –, mas estariam prontos para articular uma relação com esse “outro” que iria redefinir os contornos da pessoa religiosa e seu modo de crescimento espiritual e ritual. O chamado cordón espiritual (conhecido simplesmente como muertos) não é apenas uma audiência desencarnada de uma vida material; é pensado exatamente como um componente ativo e efetivo desta vida, movimentado e materializado através das ações, decisões, compromissos religiosos da pessoa, que são, por sua vez, gerados e possibilitados pelos próprios muertos. Encarnando identidades tão diversas como freiras e monges, cientistas e médicos, africanos e haitianos, ciganos e burocratas, estes espíritos são ao mesmo tempo reflexões e ampliações da psique de seus protegidos, funcionando no melhor dos casos como uma coordenação de partes relacionadas mutuamente que compõem uma pessoa em sua totalidade de consciência, em movimento, em ação, em sinergia e, às vezes, em autodissonância e fricção. Além disso, constituem um “complexo”, se é que podemos chamá-lo assim, que é menos representado que ativado pelo engajamento do médium com as coisas materiais ao longo do seu desenvolvimento.
À luz da preocupação principal deste trabalho, essa é uma noção atraente, pois os objetos também se tornam necessários para a ativação da personalidade total, que, embora processualmente constituída, pode ser objeto de potenciais bloqueios se essa ativação é obtida de forma inadequada. Não estamos lidando neste caso com as idas e vindas de “pedaços” ou “bocados”, como no funcionamento de uma Nganga, mas sim com um organismo emergente e sujeito à auto-organização a partir das suas próprias lógicas internas, um organismo cuja capacidade de exercer efeito sobre o mundo é determinada pelas relações entre suas partes, mesmo tendo o médium como seu referente físico final. Objetos, na forma de representações espirituais, por exemplo, servem para espelhar as relações invisíveis ou opacas neste sistema a esses mesmos elementos opacos e invisíveis, de modo que eles não são apenas reconhecidos e fortalecidos pelo médium, mas trazidos à existência por meio desse encontro. Nesse sentido, a materialidade também é constitutiva do “organismo” espiritual, composta por pessoa e seus espíritos. Nem o “eu” do médium nem seu conhecimento existem previamente a tais relações; ao contrário, eles tomam forma através da matéria e são assim habilitados por ela – o encontro de um homem com o seu “eu” extenso (alteridade).
Se as “coisas” no Palo são indissociáveis das entidades, e até mesmo criadas por elas, no Espiritismo elas se tornam o principal meio pelo qual o “eu” extenso virtual do médium se atualiza e é posto em prática. Os espíritas cubanos constroem altares, onde colocam vários copos de água, tidos como pontos-chave na manifestação espiritual, mas também criam loci de veneração e de troca através da aquisição de bonecas, estatuetas, ícones esculpidos em madeira ou figuras de gesso simples na forma de espíritos africanos, indígenas ou ciganos, por exemplo. Alguns médiuns “carregam” esses itens com substâncias especiais, como misturas de plantas, amplificando a sua potência. Conforme Leonel, um dos meus amigos, constata: “as representações espirituais são na sua essência um fundamento, tal como a Nganga, mas em vez de ser um caldeirão, eles são uma boneca”, por exemplo, “e eles respondem a um espírito” (entrevista Leonel, Março 2006). Sendo ou não “carregada”, considera-se que a representação “nasce” através de um batismo, começando assim sua existência como uma coisa “espiritualizada”, crescendo e mudando através das oferendas rituais e materiais para as quais se torna objeto. Para Eduardo, a representação espiritual é o ponto de intersecção entre a consciência do médium e a existência do espírito, forjando os dois no espaço-tempo. É o lugar onde o espírito absorve a “vitalidade” e as propriedades dos sacrifícios e oferendas recebidas, tais como frutas, mel, flores, café, ou até mesmo objetos como penas e leques, tornando-se assim tanto “coisa” como “espírito” e, por extensão, “pessoa”. Não atender ou cuidar de uma representação espiritual, especialmente uma vez que sua existência já foi reconhecida, pode levar à experiência de estagnação e de obstáculos na vida do praticante. Assim como os afins falecidos são exigentes, são igualmente as entidades do cordón, reivindicando que a pessoa as reconheça em sua totalidade. Mas há uma diferença. Embora o objetivo final para os espíritos familiares seja a ascensão, a “luz” e o “progresso” como os cubanos dizem, o destino do cordón está, por contraste, ligado à vida daqueles que protege na terra. Membros falecidos da família devem, em princípio, desmaterializar, enquanto a presença do morto de proteção se baseia, pelo contrário, em uma certa quantidade necessária de materialização. É em virtude disso que eu sugeri que a pessoalidade espírita deve ser vista ao longo das linhas de sua horizontalização – seu desdobramento material no mundo, se o leitor preferir. À medida que um neófito aprende a ser médium, processo conhecido como el desarrollo de los muertos (o desenvolvimento dos mortos), ele ou ela incita simultaneamente o desenvolvimento da “presença”, isto é, a presença de um “complexo” de seres que, embora possam ter existido em potencialidade ou virtualidade em modo anterior à aprendizagem, à sombra de um “eu”, por assim dizer, agora ganha vida através de uma instanciação material positiva.
Espero que essa breve discussão tenha conseguido transmitir que o Espiritismo representa, em certa medida, o extremo lógico do “complexo” da Nganga de Palo, em que os tipos de relações construídas por meio da animação de um Nganga podem ser consideradas, em contraste, internas e inerentes à própria pessoa, mas apenas na medida em que também são exteriorizadas. Na verdade, esta divisão é discutível. Ao postular o Espiritismo crioulo como uma “tecnologia” de autoprodução, bem como uma tecnologia para acessar os mortos, desejo igualmente realçar o aspecto imprevisível desse processo. Ambas as cosmologias, Palo e Espiritismo, apresentam este tipo de agência e causalidade não local. Talvez não seja surpreendente que Paleros são frequentemente espíritas e vice-versa, como Eduardo e Olga. As práticas espíritas cubanas contemporâneas herdam uma preocupação religiosa afro-cubana com “coisas”, assim como uma teorização alternativa de sua potência e autonomia. A discussão de Sneath, Holbraad e Pedersen sobre as “tecnologias do imaginário” é útil a este respeito. Para eles, as tecnologias “são” ou pertencem à “imaginação”, precisamente porque os efeitos criativos que essas tecnologias provocam são indeterminados (2009:18-19), sendo a imaginação irredutível a fenômenos mentais internos. O que é interessante para mim neste ponto não é que “coisas”, como as tecnologias da imaginação, podem engendrar mundos, mas que, de maneira diferente dos entendimentos cotidianos da imaginação como algo intrapsíquico, “espaços exteriores são muitas vezes constitutivos de projetos criativos, pois eles servem para delinear as perspectivas particulares nas quais o que se imagina assume a sua forma” (Sneath, Holbraad e Pedersen 2009:74, tradução nossa). Imaginação aqui não contrasta com a realidade, mas poderia, teoricamente, como é o caso do Espiritismo, ajudar a revelá-la. Nesse contexto, “coisas” serão modos de ativação, não de representação. Mas como ativadoras elas também se enredam ontologicamente nos complexos aos quais ajudam a trazer à vida, com resultados indeterminados. Se no Palo essa indeterminação é intrínseca aos saldos sensíveis de poder implícitos na eficácia da Nganga e em seu equilíbrio tênue, às vezes pendendo para um lado ou outro irremediavelmente (e até mortalmente), no Espiritismo é um corolário de um “eu” em perpétuo devir, um sistema em constante autoprodução e emergência.
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Leonel, Março 2006.
Luis, Junho 2008.
NOTAS
1Este trabalho foi possibilitado por financiamento do Economic and Social Research Council, na Inglaterra, e da Fundação para a Ciência e Tecnologia, em Portugal. Quero agradecer aos meus amigos e interlocutores em Cuba, especialmente Eduardo e Olga Silva, Luis Hernandéz e Leonel Verdeja. O material aqui exposto já foi apresentado em outros formatos previamente, na conferência “Things and Spirits” no Instituto de Ciências em Lisboa, em 2009, e no painel “The Vitality and Efficacy of Human Substances” em Edimburgo, em 2012. Nesse sentido, gostaria de reconhecer a contribuição dos organizadores e participantes desses eventos. Parte desse material etnográfico também já foi publicado na revista Critical African Studies, sob o título “Human Substances and Ontological transformations in the African-inspired religious complex of Palo Monte”, em coautoria com Katerina Kerestetzi e Anastasios Panagiotopoulos.

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