quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Arquimedes, três trilhões de árvores e vida no Universo

A arte de fazer estimativas tem uma longa história para os humanos. Em O contador de areia, escrito no século 3 a.C., o filósofo grego Arquimedes de Siracusa fez sua famosa demonstração de que, em princípio, poderia avaliar o número de grãos de areia que caberiam no Universo.


Para conseguir isso, ele teve de produzir algumas estimativas engenhosas do tamanho angular do Sol e de outros objetos, assim como inventar uma matemática de números extremamente grandes [utilizando algarismos especiais, que ele chamou de “miríades”, e que hoje conhecemos como expoentes].

Enquanto Arquimedes talvez só estivesse se exibindo, procedimentos bastante similares de extrapolação e estimação estatística desempenham um papel imensamente importante na nossa atual compreensão do mundo (e do Universo) ao redor de nós.

Agora, um estudo inédito de Thomas Crowther e colaboradores publicado em 2 de setembro no periódico Nature, aplica algumas dessas técnicas à questão da população arbórea global: quantas árvores existem de fato na Terra?

Na era de imageamento e sensoriamento remoto por satélite isso pode soar como uma pergunta que pode ser respondida com razoável facilidade. No entanto, como demonstraram os autores do artigo, esses dados são apenas tão bons quanto os de sua calibração com a chamada verdade terrestre.

Os pesquisadores utilizaram mais de 429 mil medições terrestres de densidade de árvores em todos os continentes (exceto a Antártida, por razões óbvias) para preencher as lacunas de informações do sensoriamento remoto, que tem uma resolução limitada quando se trata de contar plantas individuais. Você pode se perguntar quando uma árvore é uma árvore? É uma boa pergunta. Esse estudo considerou um “tronco lenhoso com mais de 10 cm de diâmetro à altura do peito”. Em outras palavras, uma árvore bastante bem enraizada e crescida.

A contagem final resultou em estimados 3,04 trilhões. Esse dado é sete vezes maior que o da estimativa anterior (cerca de 420 bilhões). Também é evidente que o número global de árvores está decrescendo à razão de aproximadamente 15 bilhões por ano, uma quantidade atribuível principalmente a atividades humanas como o desmatamento.

Retroceda essas estimativas no tempo utilizando dados históricos de cobertura florestal e parece que os humanos pós-Pleistoceno (posterior a mais ou menos 11,7 mil anos atrás) reduziram a população arbórea global em cerca de 46%, ou aproximadamente 2,6 trilhões de árvores, em relação ao que ela era antes dessa época geológica.

O estudo é igualmente fascinante (afinal, três trilhões é um número bem legal) e deprimente, pois ele é mais um indicador de que a nossa espécie não está considerando as implicações de uma mudança ecológica tão rápida, mesmo que ela tenha ajudado a nos levar ao nosso atual estado de avanço tecnológico.

Ele também é interessante por outra razão. Estamos em um estágio especial na ciência. Não estamos apenas correndo atrás da história de nossa gênese, mas também da existência e das origens de outras formas de vida no Universo, e estamos muito mais adiantados no caminho para algumas respostas do que jamais estivemos antes.

Parte dessa indagação envolve combinar nosso entendimento do que é, de fato, vida na Terra com a busca por sinais de biosferas em outros lugares, seja em exoplanetas ou nas profundezas internas de luas geladas como Europa. No entanto, as árvores da Terra acabaram de demonstrar que ainda não somos tão talentosos quando se trata de fazer avaliações sobre o planeta no qual estamos assentados.

E, relativamente falando, árvores são bastante fáceis de contar. Elas estão na superfície, expostas a nós. Podemos andar por aí e contá-las. Podemos sobrevoá-las. O Sol as ilumina convenientemente a cada 24 horas.

E quanto a o que há no subsolo, abaixo da superfície dos continentes da Terra, e a vasta população de microrganismos que sabemos existir ali? E quanto aos outros 70% do planeta, os oceanos? Essa zona abissal está revelando constantemente novos organismos e novos ecossistemas, porém nós mal a exploramos.

Setenta por cento da superfície da Terra (sem nem mesmo considerar as zonas oceânicas verticais) representam uma área quase 2,5 vezes maior que a superfície total do planeta Marte. De fato, parece muito estranho que não estejamos prestando mais atenção a isso, pois compreender o nosso planeta natal, o nosso lar, é uma parte crítica da busca para encontrar vida em outros planetas. Teremos muitas dificuldades para realizar a mágica de Arquimedes quando detectarmos outras biosferas se não dispusermos de uma real verdade terrestre de nosso próprio grão de areia cósmica. 

Caleb Scharf é diretor do Centro de Astrobiologia da Universidade Columbia. Ele trabalhou nos campos de cosmologia observacional, astronomia de raios-X e, mais recentemente, ciência exoplanetária. Seus livros incluem Gravity`s Engines (2012) e The Copernicus Complex (2014) (ambos de Scientific American/Farrar, Straus e Giroux.) Siga-o no Twitter em @caleb_scharf

As opiniões expressas são as do autor e não necessariamente as da Scientific American.

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