quinta-feira, 27 de agosto de 2015

O transporte público através de Uber é ilegal. O encantamento pela inovação pode colocar em risco o sistema de proteção de atividades de interesse público

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Entre o lícito consolidado e o novo não regulamentado, a sociedade deve optar. Recentemente a sociedade brasileira tem sido instada a discutir as inovações no transporte de passageiros. O fenômeno UBER, na esteira da proposta inovadora dos aplicativos, provocou e provoca manifestações divididas acerca do transporte público e seus desafios. O cerne dos debates no Brasil, mesmo quando conta com a participação de especialistas, tem negligenciado alguns aspectos estruturantes em relação ao tema, ou mesmo buscado teses jurídicas ousadas, como a que consta do parecer técnico produzido pela Comissão de Trânsito da OAB/RJ, defendendo a licitude da atividade UBER, com base na livre iniciativa (art. 1º, IV CF/88) e no livre exercício de atividade ou profissão (art. 5º, XIII CF/88).
Apesar de respeitar a posição dos que defendem a livre iniciativa (art. 1º, IV da CF/88) como elemento apto a impulsionar a competitividade e, a reboque, a qualidade do serviço, ouso discordar dessa tese e afirmar que a prestação do serviço de transporte de passageiros através do aplicativo UBER ou  qualquer outra forma que não observe as regras de delegação do poder concedente é ilegal. Acerca do tema há entendimento consolidado nos tribunais superiores no sentido de que a livre iniciativa não pode ser invocada para afastar regras de regulamentação (Min. Ellen Grace – RE 349.686) ou que, no exercício de transporte de passageiros, não pode ser dispensada, a título de proteção da livre iniciativa, a regular autorização, concessão ou permissão do Estado, para sua exploração por empresa particular (Min. Antonio Gallotti – Re 214.382). Com relação ao argumento da liberdade de exercício de atividade ou profissão, cabe ressaltar que a natureza do inciso XIII, do art. 5º da CF/88 é de norma constitucional de eficácia contida, ou seja, norma que, por não possuir eficácia plena, necessita de dispositivo que a regulamente, contendo-lhe os efeitos para alinhá-los com o objetivo da norma.
A regulamentação prevista pelo legislador pátrio e realizada pelo Estado materializa um sistema normativo harmônico, cujas regras para delegação do serviço público de transporte de passageiros impõem diversos requisitos aos interessados, com destaque para os aspectos gerais, previstos no Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97), que vão desde requisitos para habilitação dos condutores que realizam a atividade de transporte de passageiros (art. 147, §3º e §5º da Lei nº 9.503/97), até requisitos específicos para o licenciamento dos veículos para explorar a referida atividade (art. 135 da Lei nº. 9.503/97), sendo previstas sanções para a inobservância dessas regras (art. 231, VIII Lei 9.503/97).
Além da questão da regulamentação prévia enredada pela legislação de trânsito e os requisitos constantes de procedimento administrativo para a delegação do serviço, existem as questões posteriores que representam o sistema de proteção/reparação franqueada ao usuário do sistema de transporte, proteção que tem ensejo nos casos em que houver dano. A responsabilidade civil, nesses casos, repercute de forma distinta quando o serviço é realizado por prestadores autorizados pelo Estado, se comparada com os que o prestam de forma ilícita. A responsabilização imposta aos permissionários que causam dano é objetiva, bastando que haja nexo entre a atividade e o resultado. Além disso, o Estado aparece subsidiariamente para garantir o ressarcimento. Ao passo que prestadores privados expõem o destinatário do serviço, ou mesmo terceiros, a fazer prova da culpa, já que a responsabilização é subjetiva.
O prestador do serviço também possui garantias reparatórias e compensatórias importantes, nos casos em que houver interrupção forçada da prestação do serviço, por motivo alheio à vontade do agente, trazendo com segurança e justeza elementos que viabilizem a reparação, na plenitude, do dano material sofrido, já que este não se compõe apenas do dano emergente, mas também do que deixará de ganhar com a paralisação do serviço, os lucros cessantes.
O final do Século XX e início do XXI se notabilizaram como palcos de grandes transformações, especialmente sobre os meios e modos de circulação das informações e, a reboque, dos serviços. A  inovação tecnológica estabeleceu novos paradigmas a partir de um sistema informacional estruturado em rede. A velocidade da propagação das informações inculcou na sociedade em geral certo deslumbramento pelo novo. A receptividade a esses fenômenos deve ser realizada de forma sóbria, a partir de viés agregador, pois foram as conquistas, hoje pretéritas, que contribuíram para a consolidação do modelo de garantias vigente.
Propostas inovadoras devem ser recepcionadas com cautela. E, antes de serem tomadas como salvadoras, devem ser submetidas a apreciação da sociedade. E esse é um dos méritos do processo de debate que se instalou nas redes sociais, nos blogs, nas Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais. Discussões permitem ao cidadão conhecer mais sobre o funcionamento das atividades estatais e, assim, fortalecem o espírito democrático, calcado, dentre outros, no dever do cidadão de fiscalizar a prestação de serviços públicos e acompanhar projetos sobre temas estruturantes para a melhoria na qualidade de vida da sociedade em geral. Essa é a essência de uma sociedade com aspiração democrática.


Leia mais: http://jus.com.br/artigos/41685/o-transporte-publico-atraves-de-uber-e-ilegal#ixzz3jzKdnp5L

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