segunda-feira, 16 de março de 2015

A patologia que atrofia o Brasil


DIEGO ESCOSTEGUY



A partir do Renascimento, as principais correntes filosóficas do Ocidente passaram a pensar o Estado moderno, então em seus primórdios, como um corpo humano. Essa nova maneira de refletir sobre a vida numa sociedade espelhava os avanços na medicina – e no nosso entendimento acerca do que afligia e curava nosso corpo. A metáfora que associa a medicina e a vida na coletividade consagrou-se em pouco tempo: corpo político. No século XVII, o inglês Thomas Hobbes, o primeiro dos grandes filósofos políticos a usar essa metáfora, ilustrou a capa da sua obra magna, Leviatã, identificando o Estado como um corpo. Aliás, um corpo dentro de outro corpo. Pessoas comuns formam o tronco e os braços; o rei é a cabeça.

Hobbes pusera o soberano em destaque porque acreditava que somente a força dele permitia unir uma coletividade. Nos séculos seguintes, as ideias de liberdade e igualdade, associadas numa democracia, deceparam a cabeça do rei (às vezes literalmente) e a substituíram pelas pessoas comuns. Numa democracia, todos – sem exceção – compõem o corpo político. Essa maneira de pensar permanece útil como ferramenta para entender nossos males e alumiar os tratamentos corretos para curá-los.

No momento em que o novo corpo político do Brasil completa 30 anos de democracia, é hora de um profundo check-up. Esse corpo, cuja certidão de nascimento veio apenas na Constituição de 1988, começou a ser gestado por estadistas como Tancredo Neves e Ulysses Guimarães. Manobraram durante anos para pôr fim à ditadura que nos acometia desde 1964. As novas gerações jamais podem esquecer: vivíamos num corpo político acamado por um parasita poderoso. Ele não nos deixava falar, escrever e agir como queríamos. Em 1985, quando José Sarney assumiu a Presidência, o Brasil começava a tomar o remédio para expulsar o parasita.

Hoje, nosso corpo político fala, escreve e até grita. Dizer o que se pensa e sair às ruas, seja lá por qual razão, é um direito de todos os brasileiros, desde que o vírus da intolerância, do ódio e da violência não contamine as nossas ações. Se contaminar, nosso corpo pode ser acometido pelo mal do parasita de 1964, que tanto nos custou.
 
UM SÓ CORPO Capa do Leviatã, de Hobbes. Somos todos partes iguais  na doença – e como remédio (Foto: Reprodução)
Nosso corpo pode fazer coisas que não conseguia há pouco tempo. Mas está doente. A profunda crise política em que vivemos revela que ele sofre de um fisiologismo crônico. Essa patologia atrofia de tal modo nossa musculatura política que não nos permite caminhar. Apenas mancamos rumo à democracia que queremos ser. Não raro, como agora, na crise decorrente do petrolão, ou no mensalão, há dez anos, derruba-nos a ponto de não conseguirmos nos mexer. Paralisa até Brasília, nosso cérebro.

O fisiologismo é a prática de acomodar em cargos do governo, como diretorias da Petrobras, pessoas indicadas por políticos aliados. É uma troca com a nossa saúde. Quem dá o cargo ganha apoio político para governar; quem recebe ganha força política e, sobretudo, dinheiro sujo – seja propina, seja até em doações eleitorais por meio do caixa oficial, como se comprovou na Operação Lava Jato. 

O remédio é simples, mas nenhum político tem coragem de aplicá-lo. Basta eliminar as indicações políticas para cargos endinheirados no governo. E trabalhar para que haja mecanismos institucionais – os verdadeiros remédios duradouros – que proíbam esse troca-troca corrupto.

Nosso corpo apresenta, há anos, sintomas de que pode tombar por causa do fisiologismo. É preciso agir antes disso. É preciso agir agora.

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