sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Uso de drogas de abuso e evento sentinela: construindo uma proposta para avaliação de políticas públicas

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Use of drugs of abuse and sentinel event: constructing a proposition about assessing public policies

Uso de drogas de abuso y evento centinela: construcción de una propuesta para la evaluación de políticas públicas


Tanimária da Silva Lira BallaniI; Magda Lúcia Félix de OliveiraII
IEnfermeira. Mestre em Enfermagem. Hospital Universitário Regional de Maringá - Centro de Controle de Intoxicações. Paraná, Brasil
IIEnfermeira. Doutora em Saúde Coletiva. Docente do Departamento de Enfermagem na UEM. Paraná, Brasil



RESUMO
O presente trabalho objetivou operacionalizar o procedimento de vigilância epidemiológica de evento sentinela a partir da internação de jovens com diagnóstico de intoxicação aguda ou efeitos secundários decorrentes do uso de drogas de abuso. O estudo, do tipo retrospectivo, exploratório descritivo, foi desenvolvido no município de Maringá - PR, com jovens internados e cadastrados no Centro de Controle de Intoxicações, nos meses de fevereiro a julho de 2006. As fontes de dados foram a ficha de ocorrência toxicológica, o prontuários hospitalar de pacientes e um roteiro para entrevista domiciliar. A análise foi feita por meio de estudo de casos múltiplos, utilizando o modelo de investigação de eventos sentinela. Foram investigados 10 casos. Fatores de risco em várias áreas e a interface entre políticas de educação, segurança pública, assistência social, economia e saúde, inadequadas e deficientes, parecem determinar a ocorrência do uso de drogas de abuso nos casos investigados.
Palavras-chave: Vigilância de evento sentinela. Adolescente. Drogas ilícitas.

ABSTRACT
This study aims to put into operation the procedure of epidemiological surveillance of sentinel events among young people admitted to hospital with diagnoses of acute intoxication or secondary effects resulting from drug abuse. This retrospective, descriptive, exploratory study was conducted in the city of Maringá, Paraná, Brazil with young people who were admitted as inpatients and who were registered in the Center for Intoxication Control (Centro de Controle de Intoxicações) between February and July of 2006. The data sources used were the toxicology case files, hospital records, and an itinerary for home interviews. The analysis was made by studying multiple cases, using the model of investigating sentinel events. Ten cases were investigated. Risk factors in several areas and the interface among inadequate and deficient education, public safety, social attendance, economic, and health care policies seems to determine the occurrence of drug use in these investigated cases.
Keywords: Sentinel surveillance. Adolescent. Street drugs.

RESUMEN
El presente estudio tiene como objetivo poner en el funcionamiento el procedimiento de vigilancia epidemiológica de evento centinela a partir de la internación de jóvenes con diagnóstico de intoxicación aguda o efectos secundarios decurrentes del abuso del uso de drogas. El estudio, del tipo retrospectivo, exploratorio descriptivo, ha sido desarrollado en el municipio de Maringá - Paraná, con jóvenes internados y registrados en el Centro de Control de Intoxicaciones, en los meses de febrero a julio de 2006. Los datos fueron recolectados a partir del formulario de ocurrencia toxicológica, del prontuario de hospitalización de pacientes y de una guía para entrevista domiciliar. El análisis fue hecho por medio del estudio de casos múltiples, usando el modelo de la investigación de evento centinela. Fueron investigados (10) diez casos. Factores de riesgo en varias áreas, y la interfaz entre políticas de educación, de seguridad pública, de asistencia social, de economía y de salud, inadecuadas y deficientes, parece determinar la ocurrencia del uso de drogas de abuso en los casos investigados.
Palabras clave: Vigilancia de guardia. Adolescente. Drogas ilícitas.



INTRODUÇÃO
O presente estudo refere-se à vigilância epidemiológica do uso de drogas de abuso na juventude por meio da investigação do evento sentinela internação hospitalar decorrente desse uso.
No Brasil, as pesquisas sobre comportamentos de saúde entre jovens ainda são escassas e se concentram em questões ligadas à gravidez precoce, ao uso de anticoncepcionais ou ao uso de drogas de abuso enquanto eventos isolados, com menos enfoque na sobreposição de diferentes comportamentos de risco entre jovens.1Afirmam ainda que a maioria dos dados brasileiros sobre o tema provém de jovens que freqüentam escolas públicas, devido à tendência natural das autoridades de cederem espaços para pesquisa, implicando uma visão parcial da situação dos jovens.
O conceito de jovem é definido como pessoas dentro de um grupo específico de idade. São pessoas com idade entre 10 a 24 anos, que passam por estados de transição: uma fase prévia (entre 10 e 14 anos), uma fase intermediária (entre 15 e 20 anos) e uma fase posterior (entre 21 e 24 anos).2
O uso de drogas de abuso, considerado um problema de saúde pública no Brasil, ocasiona intercorrências indesejáveis como crises familiares, atos violentos e internações hospitalares, aumentando a taxa de ocupação de leitos hospitalares. Assim, tem contribuído para a sobrecarga do Sistema Único de Saúde (SUS), o que requer atenção sistematizada.1
A investigação dessas ocorrências enquanto evento sentinela poderia contribuir para determinar aspectos das condições de vida e da assistência sócio-sanitária que esses jovens recebem, visando compreender a vulnerabilidade ao uso de drogas nessa fase da vida.3
Evento sentinela aplica-se à detecção de doença prevenível, incapacidade ou morte inesperada,3 cuja ocorrência serve como um sinal de alerta de que a qualidade das ações terapêuticas ou peventivas deve ser questionada. Assim, toda vez que se detecta evento dessa natureza o sistema de vigilância deve ser acionado para que medidas indicadas possam ser rapidamente utilizadas. A partir do conhecimento desses eventos torna-se importante a investigação para determinar como prevenir eventos similares no futuro.
O estudo de agravo evitável como evento sentinela, tem um caráter exploratório, pois se entende que o resultado é uma medida indireta da qualidade.4 A análise das causas evitáveis,3 é proposta como "uma maneira de se aproximar das inadequações [...] a partir dessas análises de tendência poder-se-iam buscar explicações mais localizadas, principalmente em relação aos fracassos".4:40
A formação de sistemas de vigilância de eventos sentinela tem como objetivo monitorar indicadores-chaves na população geral ou em grupos especiais, que sirvam como alerta precoce para o sistema, não tendo a preocupação com estimativas precisas de incidência ou prevalência na população geral. Esses indicadores são gerados pela capacidade de se formar juízo sobre a situação que permita tomar decisões quanto a medidas corretivas a serem implementadas.3-4
Não obstante, alguns autores defendem a ampliação conceitual de evento sentinela, usada para designar a incorporação de novos conceitos ao processo de análise. Sua utilização abre novas veredas para a compreensão e análise da ocorrência dos agravos e permite chegar a entendimento bastante diferente daquele obtido sem o seu uso.4-5
Diante dessas considerações, este trabalho teve como objetivo operacionalizar o procedimento de vigilância epidemiológica de eventos sentinela a partir da internação hospitalar de jovens com diagnóstico de intoxicação aguda ou efeitos secundários decorrentes do uso de drogas de abuso, ampliando seu escopo conceitual. A internação hospitalar foi escolhida como evento sentinela, porque se entende que intercorrências e doenças secundárias ao uso de drogas de abuso funcionam como indicadores de maior gravidade dos casos e a maioria das internações poderia ser evitada se houvesse prevenção adequada.

MATERIAL E MÉTODOS
O estudo foi do tipo retrospectivo, exploratório-descritivo, com análise quanti-qualitativa dos dados. Foi realizado por meio de estudo de casos múltiplos ou série de casos, utilizando o modelo de investigação de eventos sentinela.4
Foi realizado em Maringá, PR, município sede da 15ª Regional de Saúde, que conta com uma população de 318.953 habitantes, sendo 59.063 (18,5%) na faixa etária de 10 a 19 anos.
Os casos investigados foram originários do Hospital Universitário Regional de Maringá (HUM) e do Hospital Municipal de Maringá (HMM), após serem cadastrados no Centro de Controle de Intoxicações de Maringá.
O Centro de Controle de Intoxicações (CCI) funciona no HUM. Uma de suas atividades a vigilância epidemiológica das intoxicações, visto que a investigação dos casos possibilita o levantamento das relações causais da ocorrência e a formulação de ações de prevenção e controle das mesmas.
O HMM possui a Unidade de Pronto Atendimento (PA), que é uma unidade para atenção às urgências médicas do município e região.
A população do estudo compreendeu dez jovens intoxicados por drogas de abuso, com idade entre 10 e 24 anos,e nove famílias, pois, uma delas contava com dois jovens. Foram elegíveis os residentes no município de Maringá, internados no HUM e no HMM e cadastrados no CCI no período de fevereiro a julho de 2006. Foram excluídos do estudo os casos em que o jovem não tinha vínculo familiar ou moradia definitiva, ou quando sua família não tivesse conhecimento do uso de drogas de abuso ou não aceitasse falar sobre o assunto.
As fontes de dados foram a listagem de pacientes internados, a ficha de notificação de busca ativa do PA/HMM e um roteiro de investigação, com base no procedimento de evento sentinela.3,5
A listagem de pacientes internados é um impresso próprio do CCI, utilizado para registrar todos os casos notificados no serviço em que o paciente tenha permanecido 12 horas ou mais no serviço de saúde notificador; a ficha de notificação de busca ativa do PA/HMM foi criada especificamente para notificação de dados de jovens atendidos nesse serviço; o roteiro de investigação dos casos, também desenvolvido pela pesquisadora, segue as etapas de investigação de eventos sentinela: dados pessoais do investigado, dados da ficha de ocorrência toxicológica, dados do prontuário de paciente, dados de investigação no domicílio/entrevista domiciliar e conclusão da investigação.
Os documentos analisados foram a ficha de ocorrência toxicológica, que é um instrumento de notificação de casos, e o prontuário de paciente que foram acessados no Serviço de Prontuário de Pacientes do HUM e no Serviço de Arquivo Medico e Estatística do HMM. A coleta de dados foi realizada por meio de análise documental e a aplicação do roteiro de investigação de casos, incluindo a entrevista familiar.
Após a seleção dos casos, foi desenvolvido o procedimento de investigação do evento sentinela seguindo as seguintes etapas: investigação dos casos, avaliação dos casos e conclusão da investigação. A investigação dos casos foi realizada através da compilação dos dados, tanto da ficha de ocorrência toxicológica; como do prontuário do paciente e da visita domiciliar.
Das fichas de ocorrência toxicológica foram extraídos os dados pessoais e da ocorrência toxicológica, sendo preenchidos os campos específicos no roteiro de investigação. A partir dos prontuários dos casos selecionados, foi preenchido o campo de dados do prontuário hospitalar do roteiro de investigação, enfocando os sintomas apresentados durante a internação, tratamento registrado, diagnósticos médico e evolução clinica. Em seguida, procedeu-se à entrevista com a família.
A entrevista com a família foi realizada no prazo médio de 48 dias, pois, considerou-se neste estudo, o atendimento em unidade de urgência e emergência e a internação hospitalar como eventos marcantes. Assim, esse prazo poderia ser estendido para até 90 dias. Foi confeccionado um diário de campo imediatamente após cada visita realizada e a avaliação final de cada caso, foi realizada no prazo máximo de uma semana após a visita.
No período de fevereiro a julho de 2006, foram cadastradas no Centro de Controle de Intoxicações de Maringá, 68 internações de jovens na faixa etária de 10 a 24 anos; 16 internados tinham drogas de abuso como agentes principais da intoxicação (23,5%).
Para fazer parte do estudo foram selecionados 14 casos: 7 provenientes do HUM e 8 do HMM. Na continuidade do processo investigativo, aconteceram três perdas e uma recusa sendo, efetivamente, investigados 10 casos.
O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo Seres Humanos da Universidade Estadual de Maringá (UEM), parecer Nº 154/2006 – CAAE Nº 0053.0.093.000-06. Todos os entrevistados assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Em alguns casos, solicitaram a presença de outros familiares ou do próprio jovem, para participar da entrevista e discutir com estes a assinatura do TCLE.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A faixa etária dos 10 jovens investigados variou entre 11 e 23 anos, sendo seis na faixa etária entre 20 e 23 anos. Tal dado, porém, não reflete a idade de iniciação ao uso da droga, pois a maioria já havia iniciado o uso havia vários anos.
Para o mais jovem, de 11 anos, não havia relato anterior de uso de droga de abuso e para a jovem de 23 anos a família relatou uso da droga há mais de oito anos. Um dos jovens, de 21 anos, no entanto, teve sua iniciação ao uso de drogas há 11 anos.
Apenas dois jovens, do sexo masculino, continuavam estudando e tinham o nível de escolaridade compatível com a idade; os demais já haviam abandonado a escola. Resultados similares foram encontrados em estudo realizado no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), a partir da análise de prontuários de 105 adolescentes usuários de drogas de abuso cadastrados entre os anos 1993 e 2000: 78% de jovens do sexo masculino e 52% do sexo feminino já haviam abandonado a escola.6
Outro problema observado nos jovens estudados foi a gravidez precoce. As três jovens que fizeram parte deste estudo, começaram a ter filhos nas idades entre 15 e 17 anos. Uma delas, aos 23 anos já tinha cinco filhos. O convívio grupal que contribui para a iniciação e continuidade do uso de drogas, parece facilitar também, o despertar precoce da sexualidade tendo como resultado, alto índice de gravidez precoce e doenças sexualmente transmissíveis.7
Foi verificado que as drogas de abuso são utilizadas de forma geralmente associada, não apresentando diferença significativa no padrão de uso entre as idades. Encontrou-se como agente das intoxicações um número variado de drogas de abuso: maconha, crack, álcool, thinner, cola, ecstasy e saia branca (planta alucinógena).
Quanto ao local de uso da droga, a maioria acontece em festas e bares. Em dois casos foi a própria residência, e em um dos casos, registrado como local ignorado, nem mesmo o jovem soube dizer onde e como havia acontecido.
Aceitar o familiar utilizando qualquer tipo de droga dentro de casa, geralmente para evitar as complicações legais, estimula os múltiplos comportamentos relacionados à intensificação do consumo, aceleração do desenvolvimento da dependência, dificuldade de trazer o indivíduo para o tratamento e ocorrência de complicações precoces (médicas, psicológicas e sociais).8
A maioria dos casos apresentava diagnóstico médico inicial para internação decorrente de alguma violência, como trauma por acidente de trânsito, tentativa de suicídio por agente químico, coma a esclarecer e trauma por lesão ocasionado por arma de fogo.
É difícil determinar com precisão o nexo causal entre drogas e atos violentos, o status legal das drogas e as complicações envolvendo tráfico e leis que o reprimem, as influências do meio e as características individuais dos usuários das substâncias, a prevalência e as correlações precisas entre violência e uso de drogas.9
Em relação à ocupação de leitos hospitalares, a média de internação para os casos investigados foi de 4,1 dias. Estudo realizado na região Sul, apontou que a maioria das vítimas de acidentes e violências (89,1%) foi internada por um período de 1 a 4 dias. Embora a média de internação não exceda a uma semana, estas autoras ressaltaram a importância da prevenção desses eventos, o que resultaria na redução de gastos hospitalares e do desgaste emocional vivenciado pelo jovem e pela família durante a permanência hospitalar.10
O número de pessoas que trabalham em cada família variou de um a três. A renda das famílias variou de um e meio a sete salários mínimos. Duas famílias utilizavam o Serviço de Assistência à Saúde dos Servidores Públicos do Paraná, e destas uma utilizava ainda os serviços da Caixa de Assistência, Aposentadoria e Pensão dos Servidores Municipais de Maringá. Entretanto, todos os entrevistados informaram que para o atendimento aos filhos utilizavam o SUS, porque os planos de saúde não os incluíam. Apenas uma das famílias utilizava, também, um plano de saúde privado.
Das nove famílias, sete relataram que conheciam e/ou já haviam utilizado algum serviço de mútua ajuda. Em relação à rede assistencial do SUS, o Centro de Atenção Psicossocial para Álcool e Outras Drogas foi citado por três famílias.
Seguindo a matriz de análise dos eventos sentinela, foi possível, a partir da técnica dos "por quês", a aproximação da causa iniciadora e das causas subjacentes do evento.
Como fatores de risco do uso de drogas entendem-se aqueles que ocorrem antes do uso indevido de drogas e que estão associados, estatisticamente, a um aumento da probabilidade do abuso de drogas. São aqueles que poderão levar o indivíduo a colocar-se diante de agressões. Esse enfoque procura prevenir o uso indevido de drogas, eliminando, reduzindo ou mitigando esses fatores.11
No presente estudo, foi possível observar que a visão das famílias para a iniciação ao uso de drogas pelos jovens pode ser muitas vezes atribuída a um fator singular ou até passar despercebida. A exposição dos jovens a determinados fatores combinados, que poderiam contribuir para o uso de drogas de abuso, não é reconhecida pelas famílias.
As famílias dos jovens investigados indicaram vários fatores de risco para o início do uso de drogas de abuso: o contexto familiar como fator desencadeante para o uso de drogas foi citado por duas famílias; os amigos, referidos como "más companhias", foram citados por quatro famílias; a escola foi apontada por três famílias como desencadeante do uso de drogas, visto que o primeiro contato com as drogas de abuso foi na escola ou "por causa da escola"; em um dos casos percebeu-se a discriminação da própria família e da comunidade na qual o jovem vivia, atribuído ao fato de ser "adotivo"; e uma família expôs que a falta de serviços de saúde adequados para o tratamento do filho, portador de doença mental, foi que desencadeou nele o uso das drogas.
Na perspectiva da investigadora, os fatores de risco tomam uma dimensão mais ampliada porque a investigação dirigida para a trajetória da ocorrência do evento possibilitou a identificação de vários fatores associados ou causas subjacentes. Na continuidade da análise, objetivou-se, então, compreender por que os jovens continuaram a usar drogas de abuso, tendo como base as histórias contidas no roteiro de investigação e a codificação das informações.
Nessa aproximação, foram observadas famílias que negam a situação da continuidade do uso de drogas, famílias que se acostumaram com o problema, famílias que negligenciam o problema, famílias que sentem falta de apoio dos serviços de saúde e famílias que sentem falta de políticas de atendimento ao jovem na fase da adolescência.
Como medida indireta da qualidade, a análise da tendência de eventos sentinela aproxima os serviços de saúde das inadequações mais localizadas, principalmente em relação aos fracassos.No item conclusivo do estudo, pretendeu-se apresentar fracassos na prevenção do agravo de drogas de abuso por jovens a partir de um fator negativo que deixou o sistema de saúde em alerta – a internação hospitalar desses jovens em unidades de urgência, na perspectiva da investigadora.
Para a síntese dos antecedentes e fatores de risco foi utilizado o item de conclusão do roteiro de investigação dos eventos sentinela, que aponta evidências ou indícios de desvios das normas de prevenção no domicílio ou contexto familiar, no trabalho, na escola e nos serviços de saúde, terminando com a determinação de falhas e de oportunidades.
Na investigação procurou-se contribuir, nessa fase, para determinar aspectos das condições de vida e da assistência sócio-sanitária que esses jovens estão recebendo, para que o processo fosse interrompido, ou seja, interromper a continuidade do uso de drogas de abuso que levou os jovens ao "abismo" na vida.
Complementarmente, os agravos escolhidos como eventos sentinela podem ser evitados em três diferentes níveis: pela organização social, com o acesso adequado a bens e serviços essenciais para toda a população; pelas medidas voltadas a eliminar ou diminuir fatores de risco específicos; e pelo acesso e utilização adequada de assistência à saúde de boa qualidade.12
O reconhecimento dos fatores de risco e o conhecimento precoce de problemas advindos do uso de drogas de abuso reforçam a cadeia de intervenção, podendo evitar seu agravamento, o que se observou nesta pesquisa.
Trabalhando com as características e os contextos de vida dos jovens e das famílias, foi constatado, vários elementos comuns entre os jovens, como a iniciação precoce ao uso de drogas (100%); o uso associado e concomitante de várias drogas de abuso (60%); a evasão escolar (60%) e expulsão da escola (20%); a gravidez precoce em todas as jovens e o elevado número de filhos para a idade em uma delas; as "fugas" constantes do lar (40%); a falta de laços de união nas famílias (50%); e a violência como fator desencadeante do evento sentinela (80%).
Diante da caracterização das causas iniciadoras e das causas subjacentes, foi elaborado um modelo de síntese das causas, codificadas por contexto familiar, cultura/estilo de vida, educação, religião, atenção à saúde, assistência social, economia, e segurança pública.
A análise de cada caso e a síntese dos dez casos, parece apontar que a visão restrita do problema ao contexto familiar ou às características individuais dos jovens é limitada. A maioria das causas subjacentes às causas proximais referidas pelas famílias relaciona-se à ausência ou à precariedade de políticas públicas.
Quanto ao contexto familiar, é importante reafirmar dois aspectos: o processo de uso abusivo de drogas não se instala de um dia para outro, é freqüentemente um sinal de uma dificuldade na relação familiar; e os pais não estão preparados para enfrentá-lo, sendo comum o uso de álcool e de tabaco nos integrantes das famílias.
Nesse caso, políticas públicas de apoio às famílias em risco psicossocial e de apoio para mudanças de hábitos e estilo de vida prejudicial à saúde devem ser implementadas.
A educação é vivenciada pelo jovem e sua família por meio da escola. A síntese dos dez casos aponta a escola como fator de risco pela influência de grupos, acesso facilitado às drogas e o bullying, e fator de proteção, pois a evasão escolar e a baixa escolaridade dos jovens foram determinantes na continuidade do uso de drogas.13
Algumas medidas poderiam ser adotadas na escola como estratégia de prevenção, como: educação com treino de habilidades para melhor lidar com o estresse, detecção precoce do uso de drogas, fornecimento de informação científica, programas de professores/tutores que seriam instruídos e treinados para detectar problemas dessa ordem e maior carga horária para as disciplinas que abordam o uso de drogas.
De acordo com a Política para Atenção Integral a Usuários de Álcool e Outras Drogas, é a rede de profissionais, de familiares, de organizações governamentais e não-governamentais em interação constante, cada um com seu núcleo específico de ação, apoiando-se mutuamente, que cria acessos variados, acolhe, encaminha, previne, trata, reconstrói existências, cria efetivas alternativas de combate ao que, no uso das drogas, destrói a vida.14
Fatores econômicos adversos, aliados a uma política insuficiente de Assistência Social, principalmente de apoio a famílias cujas mães de adolescentes trabalham em período integral fora do lar, e de falta de uma política de reinserção social e emprego para os jovens usuários de drogas também influenciam na iniciação ou na continuidade da ocorrência.
A prisão de jovens usuários que transportam a droga para sobreviver o vício muitas vezes, ocasiona o estigma da "passagem" pela polícia, levando o jovem ao cotidiano da violência carcerária. Políticas de segurança pública inclusivas e de redução de oferta da droga voltada ao verdadeiro tráfico são necessárias.
Embora os serviços de saúde tenham impacto limitado na prevenção do uso de drogas de abuso, as famílias estudadas poderiam ser consideradas de alto risco epidemiológico no território em que habitavam e viviam, porém utilizavam os serviços de saúde de forma inadequada e nenhuma delas referiu vínculo com serviços ou equipes de saúde. A presença do Programa de Saúde da Família e do agente comunitário de saúde não foi percebida e citada em nenhum dos domicílios.
O índice de gravidez precoce e o número de filhos das jovens estudadas reafirmam a ausência do componente preventivo dos serviços de saúde nessas famílias, propiciando reflexão de que o acesso daqueles que mais precisa aos serviços de saúde é desigual e de baixa eqüidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A utilização do evento sentinela, por tratar-se de um método de investigação epidemiológica que foge aos padrões tradicionais, permitiu obter muitas informações a partir de um número reduzido de dados, possibilitando incluir questões que a princípio estariam descobertas pela análise tradicional e contribuir para o reconhecimento de fatores de risco em várias áreas e para a definição de prioridades para ações preventivas do uso de drogas de abuso, envolvendo respostas de diversas políticas públicas.
A vigilância epidemiológica do uso de drogas de abuso é considerada como pouco influenciável pela intervenção dos serviços de saúde, pois se relaciona a fatores mais diretamente ligados a outros aspectos sociais, proporciona uma nova abordagem na compreensão do fenômeno uso de drogas de abuso e pode servir como contraponto à avaliação de outros agravos mais susceptíveis à intervenção.
Foi constatado, elementos comuns e divergentes quanto à relação jovem/droga de abuso e suas conseqüências, tipo de família, condições socioeconômicas, modalidade de assistência à saúde, relações familiares e sociais, convivência com drogas de abuso na família, influência das drogas no cotidiano familiar e a responsabilidade e os limites impostos pela família.
Em todas as famílias foi possível observar que havia antecedentes de risco para o uso de drogas de abuso, na família (80%), na escola (60%), no meio social (80%) e na assistência à saúde (50%).
Fatores de risco e proteção podem ser identificados em todos os domínios da vida: nos próprios indivíduos, em suas famílias, em seus pares, em suas escolas e nas comunidades e em qualquer outro nível de convivência socioambiental. É importante frisarmos que tais fatores não se apresentam de forma estanque, havendo entre eles considerável transversalidade e conseqüente variabilidade de influência. Ainda assim podemos afirmar que o risco é maior em indivíduos que estão insatisfeitos com a qualidade de vida, apresentam saúde deficiente, não detêm informações minimamente adequadas sobre a questão de drogas, têm fácil acesso às substâncias e integração comunitária deficiente.
Foi possível, com a investigação dirigida para a trajetória da ocorrência do evento, identificarmos os pontos críticos do processo da atenção à saúde, além da possibilidade do fornecimento de visibilidade do processo, permitindo a crítica sobre o desempenho das políticas públicas.
A interface entre políticas de educação, segurança pública, assistência social, economia e saúde, inadequadas e deficientes, parecem determinar a ocorrência do uso de drogas de abuso nos casos investigados.
Entretanto, a ausência de suporte social para a melhora das condições de vida do jovem usuário e suas famílias – suporte social aqui entendido como emprego, estabilidade do núcleo familiar e disponibilidade de rede de tratamento adequado – e a deficiência no acesso e vínculo aos serviços de saúde, pouco acessíveis àquelas pessoas que mais necessitam, agravam essa situação.
Reconhecer o consumidor, suas características e necessidades, exige a busca de novas estratégias de contato e de vínculo com ele e seus familiares, para que se possa desenhar e implantar múltiplos programas de prevenção, educação, tratamento e promoção adaptados às diferentes necessidades.14

REFERÊNCIAS
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13 Folha on line. Veja como enfrentar o bullying entre estudantes [acesso em 2006 Nov 20]. Disponível in:www.folha.com.br        [ Links ]
14 Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde. A política do Ministério da Saúde para atenção a usuários de álcool e outras drogas. 2a ed. Brasília (DF): MS; 2004.        [ Links ]


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