segunda-feira, 17 de novembro de 2014

A Unidade Básica de Saúde e sua função na rede de apoio social ao hipertenso

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The Basic Health Unit and its role in the social support network to hipertensive individuals

La Unidad Básica de Salud y su función en la red de apoyo social al hipertenso


Paula FaquinelloI; Ligia CarreiraII; Sonia Silva MarconIII
IMestre em Enfermagem. Paraná, Brasil. E-mail: plnello@hotmail.com
IIDoutora em Enfermagem. Docente do Departamento de Enfermagem da UEM. Paraná, Brasil. E-mail: ligiacarreira@hotmail.com
IIIDoutora em Filosofia da Enfermagem. Docente da Graduação e Pós-Graduação da UEM. Paraná, Brasil. E-mail: soniasilva.marcon@gmail.com



RESUMO
O objetivo do estudo foi identificar como os hipertensos percebem as ações da Unidade Básica de Saúde na sua rede de apoio social com relação ao enfrentamento da condição crônica da doença. Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa, realizado em Maringá - PR, junto a 20 hipertensos de ambos os sexos, na faixa etária de 50 a 80 anos, que adotou a análise de conteúdo, modalidade temática, para a análise dos dados. Os resultados revelaram que os indivíduos em estudo mantêm um vínculo frágil com a unidade básica e não percebem um acolhimento adequado por parte dos profissionais. Observou-se a falta de incentivo para a participação nas reuniões, sendo que a procura pela unidade acontece quando o indivíduo se percebe "doente" ou para aquisição de medicamentos. Ressalta-se a importância da atuação dos enfermeiros junto aos hipertensos, visando resgatar o foco para a prevenção e promoção em saúde.
Descritores: Hipertensão. Apoio social. Enfermagem. Atenção primária à saúde.

ABSTRACT
The objective of the study was to identify how hypertensive individuals perceive the actions of the Basic Health Unit in their social support network regarding facing up the chronic condition of the disease. It is a study of qualitative approach, accomplished in Maringá - PR, Brazil, with 20 hypertensive individuals of both genders, from 50 to 80 years of age. The Content Analysis technique - Thematic Modality - was used for data analysis. Results revealed that the individuals in study maintain a fragile link with the basic unit and they do not notice an appropriate reception on the part of the professionals. A lack of incentive regarding the attendance of meetings was observed. Patients only go to the health center when they feel "sick" or when they need medicine refills. The importance on the nurses' performance to support hypertensive patients in order to recover the focus on health promotion and prevention is highlighted.
Descriptors: Hypertension. Social support. Nursing. Primary health care.

RESUMEN
El objetivo del estudio fue identificar cómo los hipertensos perciben las acciones de la Unidad Básica de Salud en la red de apoyo social con relación al enfrentamiento de la condición crónica de la enfermedad. Se trata de un estudio de abordaje cualitativo, realizado en Maringá - PR, Brasil, junto a 20 hipertensos de ambos los sexos, en la franja de edad de 50 a 80 años, que adoptó el análisis de contenido modalidad temática para el análisis de datos. Los resultados revelaron que los individuos en estudio mantienen un vínculo frágil con la unidad básica y no perciben un acogimiento adecuado por parte de los profesionales. Se observó la falta de incentivo para la participación en las reuniones, siendo que la búsqueda por la unidad sucede cuando el individuo se percibe "enfermo" o para adquisición de medicamentos. Se resalta la importancia de la actuación de los enfermeros junto a los hipertensos, pretendiendo rescatar el enfoque para la prevención y promoción en salud.
Descriptores: Hipertensión. Apoyo social. Enfermería. Atención primaria de salud.



INTRODUÇÃO
O ser humano é um ser de relações. Desde o início de sua vida, os indivíduos iniciam a construção de uma rede de apoio, a qual pode ser comparada a uma trama que modela e é modelada pelas pessoas. A rede social pessoal é a somatória de todas as relações interpessoais desenvolvidas ao longo da vida do indivíduo, e que é percebida como diferenciada e significativa de toda uma sociedade.1
Visando a sistematização destas relações interpessoais, é possível incluir-se todos os indivíduos que interagem com uma determinada pessoa em quatro áreas, a saber: família, amizades, relações de trabalho ou escolares (companheiros de trabalho ou de estudo) e relações comunitárias/de serviços, como por exemplo, os serviços de saúde ou o credo.1
A rede social é um fator que protege a vida dos indivíduos nos aspectos físico, mental e psicoafetivo. Tal apoio é ainda mais importante quando se trata de doenças incapacitantes e/ou crônicas, tais como a Hipertensão Arterial (HA). O suporte social influencia positivamente na saúde de pacientes hipertensos e pode mesmo ser considerado relevante no sucesso do tratamento e acompanhamento em saúde destes sujeitos.2
Contudo, deve-se ressaltar que a influência da rede social independe do período no ciclo de vida em que o indivíduo se encontra. Porém, a condição de enfermidade coloca o indivíduo diante de limitações, impedimentos e situações que modificam a relação da pessoa com o trabalho, com seus familiares, amigos e parceiros, podendo inclusive abalar a sua identidade, fragilizar o próprio sentido de sua vida e a sua capacidade de resolver problemas.3
Diante dos momentos de crise pessoal, a família é a primeira rede em que o ser humano busca auxílio, apoio e cuidado informal. Todavia, nem sempre a família consegue fornecer um apoio eficiente e adequado a este indivíduo, pois muitas vezes a necessidade apresentada refere-se aos aspectos mais formais e técnicos, ou de áreas que fogem ao domínio familiar. E é nestes momentos que o apoio que advindo da rede formal, representada pelos profissionais de saúde, demonstra ser relevante para uma melhora significativa na qualidade de vida dos indivíduos.
Dessa forma, o presente estudo teve por objetivo identificar como os indivíduos hipertensos percebem as ações da Unidade Básica de Saúde (UBS) na sua rede de apoio social em relação ao enfrentamento da condição crônica da doença.

METODOLOGIA
Este estudo, de abordagem qualitativa, é parte dos resultados encontrados em um projeto de pesquisa financiado pela Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (SETI)/Fundação Araucária - Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Paraná, e que também derivou de uma dissertação de mestrado.
O foco da investigação foi apreender a experiência de vinte indivíduos hipertensos, de ambos os sexos, distribuídos na faixa etária de 50 a 80 anos, com diagnóstico prévio de hipertensão, residentes no município de Maringá-PR e que procuraram atendimento de urgência/emergência ocasionada por crise hipertensiva no Hospital Municipal.
A coleta de dados foi realizada no período de março a junho de 2009, no domicílio dos indivíduos, por meio de entrevista semiestruturada seguindo um roteiro constituído de duas partes: a primeira com questões referentes à identificação do indivíduo e a segunda com questões abertas relacionadas à rede social.
Com o consentimento dos participantes, foram agendadas visitas e realizadas entrevistas nos domicílios, sendo gravadas em equipamento digital do tipo MP4. Logo após o término das mesmas, também foram realizadas anotações no diário de campo. Para a análise dos dados, as entrevistas foram transcritas na íntegra e, posteriormente, submetidas a um processo de análise de conteúdo.4 As anotações do diário de campo foram utilizadas como forma de auxílio para a apreensão das vivências narradas pelos sujeitos.
Dentre as diferentes técnicas de análise de conteúdo, optamos pela análise temática, técnica que se constitui em descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação.5 Iniciamos a análise dos dados brutos, provenientes da transcrição das entrevistas, por uma leitura ampla e, subsequentemente, várias leituras detalhadas das quais foi possível realizar "recortes" das unidades de registro, denominadas, até então, sob um título genérico. A unidade de registro escolhida foi a do tipo tema, que foi organizado e agregado em categorias e subcategorias, o que permitiu impor certa organização nos dados encontrados, investigando pontos em comum ou elementos divergentes. Em seguida, foi realizada a inferência, ou seja, a discussão dos dados obtidos com as publicações científicas existentes.
O desenvolvimento do estudo atendeu às exigências da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde,6 com aprovação do projeto pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos da Universidade Estadual de Maringá (parecer nº 017/2009). Antes de iniciar a entrevista, todas as informações pertinentes ao estudo foram explanadas pelo pesquisador, com a assinatura do Termo de consentimento livre e esclarecido. Quando o entrevistado era analfabeto, foi solicitado a algum familiar que assinasse o termo.
Para resguardar a identidade dos entrevistados as falas foram organizadas e identificadas pela letra "M", quando referente ao entrevistado do sexo masculino, e "F" para o sexo feminino, seguidas pelo número referente à idade do entrevistado. Cada entrevista também foi identificada com a letra "E" seguida pelo número da ordem em que ocorreu a entrevista.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Foram entrevistados 20 informantes, sendo a maior parte do sexo feminino (13), dentre os quais cinco encontravam-se na faixa etária de 50 anos; cinco na de 60 anos; seis na de 70 anos e quatro na faixa dos 80 anos. Com relação ao estado civil, dez eram casados ou moravam com companheiro(a), oito eram viúvos e dois separados. Todos os entrevistados possuem filhos.
No que se refere à escolaridade, seis eram analfabetos, treze tinham o ensino fundamental incompleto e um o ensino médio completo. De acordo com a ocupação, nove eram aposentados; três recebiam pensão do companheiro; três trabalhavam em locais como creche/escola e lanchonete; três trabalhavam com outras atividades tais como babá, costureira, reciclagem; um se dedicava exclusivamente às atividades do lar e um estava desempregado. Todos os hipertensos afirmaram ter alguma crença religiosa, sendo que 16 se autodenominaram católicos e quatro evangélicos.
Todos os indivíduos tinham diagnóstico de hipertensão arterial e a maioria (18) realizava tratamento para o controle da mesma na UBS, sendo que apenas duas mulheres faziam o acompanhamento do tratamento com médico particular. O tempo de diagnóstico da hipertensão variou de cinco meses a 49 anos.
A análise temática dos dados permitiu a construção das três seguintes categorias: acessibilidade do hipertenso à UBS versus rede de apoio social; a UBS como um espaço de tratamento da doença; e percepção do acolhimento/apoio da ESF.
Acessibilidade do hipertenso à UBS versus rede de apoio social
O acesso aos serviços de saúde segundo os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) constitui um conceito amplo e envolve dimensões econômica, técnico-assistencial, política e simbólica.7 O acesso ao serviço de saúde inclui a capacidade da pessoa em buscar e obter atenção a saúde e, para isso, verifica-se um empenho dos gestores através da elaboração de propostas de novas diretrizes para as políticas de saúde, reafirmando a municipalização das ações em saúde e organização do sistema por meio da atenção básica.8
Dentre os vários fatores associados, a acessibilidade também abrange a relação entre a localização da oferta do atendimento à saúde e os usuários, considerando, por exemplo, os recursos existentes para o transporte, o tempo de deslocamento, a distância e os custos do mesmo.
Atentando assim para os aspectos que envolvem a acessibilidade organizacional do serviço de saúde e àqueles que se referem à acessibilidade geográfica, este último foi destacado pela população que fez parte deste estudo.
Sabe-se que o acompanhamento às pessoas com diagnóstico de Hipertensão Arterial é realizado pela Equipe de Saúde da Família (ESF) atuante na UBS localizada na região mais próxima de suas residências, pois se entende que para a otimização do atendimento é primordial que essas unidades de assistência à saúde sejam de fácil acesso e próximas às moradias dos usuários.
Em geral, a posição geográfica das UBS tem se situado próxima, conforme opinião dos hipertensos: [...] eu moro há mais ou menos seis quadras do posto de saúde. Eu acho que é perto (M61; E09); Há três quarteirões daqui tem o postinho. É pertinho (M86; E17). Esta situação pode ser entendida como resultante das ações de descentralização dos serviços de saúde, dentre as quais encontramos as equipes da estratégia saúde da família mais próximas da população a que destina o atendimento.
No entanto, a distância entre as residências e os serviços de saúde é uma realidade para alguns, de modo que o deslocamento do usuário até o serviço constitui um obstáculo referido por muitos entrevistados, os quais relataram que a localização da UBS [...] não é tão longe, mas não é perto (M60; E03), necessitando, assim, de algum meio de transporte para o acesso ao serviço.
Observou-se, então, que não é apenas a distância física da unidade que levam os indivíduos a percebê-la como perto ou longe, mas principalmente, a dificuldade ou facilidade para o deslocamento até o serviço de saúde. Neste caso, as dificuldades quanto à oferta no transporte coletivo até a UBS foram apresentadas como problemas estruturais que estão relacionadas à acessibilidade do usuário, como afirmaram os entrevistados: [...] olha, pertinho não é, só que agora o ponto da circular [transporte coletivo] é aqui na frente [de casa] e para mim não é mais difícil de ir (F66; E10) e Eu acho longe porque para mim ir à pé as cinco horas da manhã não dá, e da minha casa para o posto nesse horário não tem circular [transporte coletivo] (F70; E02).
Um estudo recente realizado em Manaus com usuários hipertensos e diabéticos constatou que a principal barreira de acesso às UBS é a infra-estrutura urbana do seu entorno e a facilidade ou não de acesso a este local.9 Associada ao distanciamento geográfico do serviço de saúde, no presente estudo, existe a dificuldade que o indivíduo hipertenso tem para deambular até à unidade básica, como mencionam os entrevistados: [...]minha casa é perto do posto, mas eu não vou porque eu não posso andar. Nem vacina da gripe eu tomei esse ano (F71; E08). Olha o posto de saúde até que é perto, mas a gente acha meio longe porque tem que sair daqui andando (F83; E05).
Percebe-se assim que, a classificação da UBS como "longe" ou "perto" abarca, para além do posicionamento geográfico, vários aspectos relacionados às condições físicas do hipertenso e à preservação de sua independência. Os idosos, por exemplo, normalmente apresentam um agravamento do seu estado de saúde acompanhado de dificuldade para deambulação, havendo maior necessidade de auxílio de outras pessoas.10
Tal dificuldade poderia ser suprida com a ajuda e suporte de uma rede familiar ou social, situação que, em muitas das vezes, não acontece.10 O simples fato dos indivíduos referirem facilidade para a busca de atendimento nas unidades de saúde pode resultar em acompanhamento médico mais amiúde e maior vínculo com a UBS, melhorando a condição de saúde e, consequentemente, resultando em maior satisfação por parte dos usuários e também dos profissionais de saúde. Além disso, essa satisfação e acompanhamento se fazem ainda mais importantes no caso de indivíduos hipertensos, em virtude da característica crônica desta patologia.
A análise da acessibilidade geográfica, apesar de já ter sido apontada em outros estudos como fator de impedimento à utilização do serviço de saúde, ainda permanece sendo relatada como agente limitante ao acompanhamento à saúde dos hipertensos, o que revela a inexistência de ações específicas voltadas para a resolução desse problema.
A UBS como um espaço de tratamento da doença
Quando analisamos a frequência e o motivo das pessoas procurarem os serviços de saúde, podemos perceber o entendimento que estes sujeitos têm sobre o tipo de assistência fornecida por estas unidades. As UBS deveriam ser a primeira referência de apoio formal procurada pela população para o acompanhamento e para a prevenção em saúde, e também no que se refere à busca de orientações e informações que podem ser fornecidas pelos profissionais que ali atuam. No entanto, o que se percebe é que, pelo menos para os hipertensos entrevistados, a procura por essas unidades ocorre somente quando eles estão com algum sintoma patológico ou problema físico.
Para ser sincera, eu vou ao posto quando eu preciso [...]. E eu não sou uma pessoa doente, eu sou uma pessoa saudável. Então eu procuro quando tem necessidade (F66; E12).
Eu vou só quando eu não estou mais suportando. Mas, eu não gosto de ir porque graças a Deus eu tenho saúde[...] (F52; E20).
Às vezes passa dois, três anos que eu fico sem ir ao médico. Eu tenho a carteirinha do posto, mas eu vou quando precisa. Quem esta com saúde não vai procurar o médico. Médico é para quem esta doente [...] (M86; E17).
É interessante observar que os entrevistados, inclusive aqueles que possuem maior idade, apesar da hipertensão, não se consideram doentes. Este fato demonstra a dificuldade que alguns indivíduos têm em compreender que o processo saúde-doença não se caracteriza somente pela ausência de sinais e sintomas clínicos de uma doença.
Do mesmo modo, a literatura aponta que a problemática em convencer os indivíduos hipertensos de que eles são portadores de uma doença crônica acarreta uma inadequada adesão ao tratamento, tanto no que se refere à modificação de hábitos como também para o uso correto de medicamentos.11 Vale ressaltar aqui que a problemática da não adesão ao tratamento de um portador de condição crônica não envolve apenas seu conceito de doença; esta questão é complexa e multifatorial, envolvendo, por exemplo, a existência do apoio familiar, pois em muitos casos nem todos os familiares modificam sua rotina, auxiliando ou incentivando a terapêutica do indivíduo hipertenso.12
Para algumas pessoas, no entanto, a procura da UBS para a aferição da pressão arterial já é uma rotina, apesar de apenas dois entrevistados fazerem referência explícita à preocupação que possuem em manter o valor pressórico dentro normalidade, através da verificação frequente desta medida, conforme apresentado nos seguintes relatos: no postinho eu vou toda semana medir a pressão [...] (M82; E19), além disso, [...] de uns tempos para cá eu vou ao postinho pela pressão que tem dado uma subida [...] eu vou assim, para olhar a pressão (F57; E07).
A hipertensão arterial tem como características principais o fato de ser crônica e muitas vezes assintomática, gerando um sério risco para o indivíduo quando este não adere adequadamente ao tratamento. Todavia, apesar dos hipertensos em estudo afirmarem procurar o serviço de saúde somente a partir da existência de um problema de doença e de, ao mesmo tempo, não se perceberem doentes, eles também buscam a UBS com a finalidade de realizar o controle da HA, através do fornecimento de medicamentos anti-hipertensivos, da realização de exames, consultas médicas e também na busca de uma assistência para outras patologias: [...]no posto de saúde eu vou direto por causa desse problema do estômago e do remédio de pressão que a gente tem que pegar [...] (F83; E05). [...] quando eu vou fazer exame ou consultar do problema da pressão é que eu vou lá no posto (M60; E03).
Observa-se assim que os sujeitos entrevistados relatam motivos específicos para a procura da UBS, sendo estes geralmente centrados em procedimentos fragmentados e não por uma assistência terapêutica pautada na responsabilização, vinculação e cuidado ao hipertenso. Frente a essas situações, ressalta-se a importância da formação de redes sociais e o empoderamento da comunidade, bem como a sua responsabilização e participação na definição das ações a serem desenvolvidas pelos serviços de saúde.
Este modelo de assistência praticado, no qual há o domínio do conhecimento técnico- científico e pouca disponibilidade para trocas de saberes entre o usuário e os profissionais de saúde, não tem construído momentos que abrem possibilidades de mudanças dos comportamentos e, ao mesmo tempo, condições para que o indivíduo restabeleça sua autonomia. Nesse sentido, o fato do hipertenso procurar a UBS não significa necessariamente que este receberá atendimento para a solução do problema que apresenta, conforme narrado pelo E03: pressão alta eu tenho faz muitos anos [...] mas nesse dia ela tornou a fazer esse descontrole [...].Primeiro eu fui ao posto, ai como não tinha médico eles me mandaram lá para o hospital municipal (M60a; E03).
As dificuldades decorrentes da inadequada estrutura física e do número insuficiente de funcionários têm constituído a principal justificativa adotada pelos profissionais de saúde para não desempenharem suas atividades de acordo com os princípios ressaltados pelo Ministério da Saúde (MS). No entanto, esses profissionais deveriam valorizar o acolhimento de todos os usuários, atitude simples que traria como consequência um atendimento com resolutividade e responsabilização, garantindo a eficácia inclusive nos encaminhamentos.13
Além disso, o simples fato de existir um atendimento inadequado prestado pelos profissionais faz perpetuar a ideia de um mau atendimento ofertado pela unidade básica, podendo favorecer o desenvolvimento de um comportamento de que o serviço de atenção básica deve ser procurado somente em situações de doença ou para resolver problemas de ordem aguda.
Assim, o atendimento oferecido pela atenção primária deveria envolver ações que tenham como finalidade a promoção da autonomia dos sujeitos nos seus hábitos de vida e modo de viver, provendo suporte e informações que possam favorecer as escolhas responsáveis, que garantam maior qualidade de vida e independência dos atos de saúde.
Percepção do acolhimento/apoio da ESF
Na categoria anterior, os indivíduos hipertensos revelaram que a relação que mantêm com a UBS pode ser traduzida a partir de três atividades: fornecimento de medicamentos, realização de exames laboratoriais e de consultas médicas. Este tipo de atendimento permite que os indivíduos desenvolvam uma percepção limitada do apoio que poderiam receber da UBS para o controle de seu problema de saúde.
Oh, você quer saber bem a verdade? A gente vai ao posto e eles não medem nem mais a pressão da gente.[...] Quando eu sinto que a pressão esta muito alta eu vou lá ao Hospital Municipal, porque lá eles medem (F66; E10).
Observa-se no relato de F66; E10 a falta de acolhimento existente na UBS, onde, às vezes, nem mesmo a atividade de verificação da pressão arterial, tão primordial ao hipertenso, é realizada pelos profissionais atuantes no serviço de atenção básica.
Acreditamos que neste fato reside um grande problema dos serviços de atenção básica, pois a proposta de realização do acolhimento nas unidades de saúde tem a finalidade de reorganizar o processo de trabalho através da identificação das demandas dos usuários e o replanejamento do atendimento aos mesmos. Neste sentido, o acolhimento deve ser mais do que uma triagem qualificada ou uma escuta interessada às queixas da pessoa. Pressupõe um conjunto de ações que envolvem a identificação de problemas e, principalmente, intervenções resolutivas para o seu enfrentamento. Infelizmente, algumas vezes, situações como a relatada acima nos apresenta uma condição precária do atendimento nos serviços na atenção primária, no qual identificamos negligência no atendimento prestado.
A responsabilidade e a humanização são necessárias na prestação da assistência técnico-científica, pois permitem a ampliação da capacidade da equipe de saúde em responder às demandas dos usuários e, consequentemente, reduzem a centralidade do atendimento às consultas médicas, além de melhor utilizar o trabalho dos demais profissionais que atuam na UBS.
Dentre os 20 hipertensos, duas entrevistadas fazem uso de plano particular para acompanhamento de saúde (E13; E16), não frequentando a unidade básica. Ao serem questionadas sobre o tipo de apoio que as instituições de saúde fornecem ao hipertenso, elas não conseguem citar nenhum tipo de apoio dado, ou referem um apoio inadequado.
Eu nem sei que tipo de apoio que eles dão. Eu compro os remédios, tudo né? (F83; E16)
Ah se você for ao médico e chegar e pedir para medir a pressão e precisar de um acompanhamento, tudo bem, senão, pelo menos para mim nunca teve nenhum apoio [...] (F50; E13).
Nota-se, assim, que a ausência de acolhimento torna-se mais evidente naqueles indivíduos que fazem acompanhamento no sistema privado de assistência à saúde, uma vez que ficam à margem dos programas de acompanhamento ao hipertenso propostos pelo Ministério da Saúde. Ressalta-se aqui que, apesar de existirem indivíduos que optam por fazer um acompanhamento com instituições privadas, ou com outros profissionais, estes ainda são de responsabilidade das UBS, por residirem na sua área de abrangência, e devem ser acompanhados pelo programa e serem convidados a participarem das atividades do serviço.14
Todavia, nem sempre o serviço público é mal visto pelos seus usuários. Os resultados de um estudo realizado com hipertensos na cidade de Salvador, apontam um alto índice de satisfação e impacto positivo após a implantação do PSF, ocasionando uma melhoria no controle da hipertensão arterial dos usuários acompanhados nesta unidade.15
Entretanto, para alguns dos entrevistados, o apoio que o serviço de saúde presta ao hipertenso se resume no oferecimento de medicações de uso contínuo, ou para outros problemas de saúde, como conta M61; E09: [...] o apoio do posto é medir pressão e dar os remédios. Eles dão o medicamento não só para pressão alta, mas para qualquer problema que você tem.
Alguns entrevistados, no entanto, apontam a reunião de hipertensos como outro tipo de suporte fornecido pela unidade de saúde, conforme ilustrado pela E12: [...] eu acho que tem a palestra, mas isso aí eu não tenho participado por falta de tempo. Eu nunca fui ao grupo de hipertenso e ainda não fui convidada a participar (F66; E12). Além disso, a E20 acrescenta: [...] eu sei que existem as reuniões para os hipertensos, mas eu nunca fui[...]. No horário que são feitas as reuniões eu não posso ir [...] (F52; E20).
Dos vinte indivíduos entrevistados, apenas sete referiram participar dos encontros do grupo de hipertensos, sendo que a falta de tempo livre, o não fornecimento deste serviço pela unidade e a omissão do convite para a participação foram os motivos justificados para não adesão às reuniões.
Estas dificuldades apontadas demonstram o desafio que os profissionais de saúde devem enfrentar para manter a adesão da clientela nas reuniões e atividades grupais. Observa-se que a participação em grupos tem proporcionado benefícios importantes como a presença de apoio emocional por meio da ajuda profissional e interação social com pessoas que até então não faziam parte da rede social do indivíduo.16 Outro fato a ser acrescentado é a possibilidade de que nestas reuniões haja a troca de saberes a partir da vivência pessoal e coletiva, podendo contribuir na concepção sobre o processo saúde-doença, favorecendo a adesão ao tratamento.17
Por fim, outra forma de apoio advinda dos serviços de saúde percebida pelos indivíduos em estudo é com relação às orientações fornecidas pela equipe de saúde, como contam: [...] eles às vezes comunicam para pessoa não comer muitas coisas [...] (M71; E01). Ah eles orientam na alimentação, em exercícios e em cuidados (F57; E07).
Os serviços de saúde, tanto da atenção básica como da hospitalar, estão presentes na comunidade e integram uma rede que pode dar suporte e apoio aos indivíduos em situações relacionadas à saúde-doença. Dentre os diferentes tipos de apoio advindos desta rede, pode-se apontar como mais frequente o fornecimento de informações, aconselhamentos, sugestões e orientações para lidar com problemas de saúde e sua resolução.18
Nesse sentido, a abordagem multiprofissional com participação de enfermeiros, médicos, nutricionistas, educadores físicos, entre outros profissionais, é a situação entendida como o ideal para o acompanhamento da clientela hipertensa, de forma a permitir o alcance de objetivos nos três diferentes níveis assistenciais (primário, secundário e terciário), possibilitando, assim, uma atuação mais ampla no tratamento.19
Outra forma de apoio percebida são as Visitas domiciliares (VD) realizadas por membros da equipe de saúde da família, conforme relatam: [...] o apoio que eles (PSF) dão é que vêm na casa (VD) quase todo mês [...] (F83; E05). Tem a moça (ACS) que passa aqui quase todo mês. [...] E ela vem saber como é que a gente está, e para marcar consulta também (M55; E15).
As VD devem fazer parte das ações de prestação de serviço fornecidas pela ESF. Todavia, nas entrevistas, observou-se que, dentre os 20 entrevistados, seis referiram nunca terem recebido em sua residência a visita da equipe, sendo que num destes casos justifica-se a falta de acompanhamento em virtude da residência não estar situada em área coberta pela ESF.
Para a realização dessas VD existem várias dificuldades e limitações, tais como: ausência de uma estrutura adequada da unidade, acúmulo de atividades, ausência de carro e distância muito grande entre a unidade e a área de abrangência.9 O simples fato da UBS não possuir veículo próprio para a VD influencia diretamente na frequência dessa atividade, sendo que, em muitos municípios, as visitas são feitas somente quando o carro está disponível. Nestas situações, esta atividade deve ser agendada com antecedência e com a possibilidade de ser desempenhada em um período restrito de uma vez por semana.20
Apesar de serem muitas vezes realizadas de forma irregular e sem um real acompanhamento por todos os profissionais da ESF, a VD é uma importante estratégia para o acompanhamento do hipertenso,9 sendo esta importância percebida não só pelos usuários,21 mas também pela equipe que realiza tais atividades. Além disso, durante as VD a equipe multiprofissional tem a oportunidade de desenvolver ações educativas e sanar as dúvidas existentes, fazendo com que o usuário perceba que o seu tratamento tem importância não só para si, mas também para a equipe como um todo, gerando como resultado final um melhor controle e manutenção dos níveis pressóricos e a adesão ao tratamento prescrito.22
Constata-se, então, que o acolhimento enquanto uma postura e prática de ações de atenção e gestão nas unidades de saúde com a finalidade de favorecer a construção de uma relação de confiança e compromisso dos hipertensos com os profissionais, ainda é um compromisso dos trabalhadores do SUS que necessita ser legitimado no cotidiano do atendimento, através do desenvolvimento de uma intervenção qualificada, garantindo o acesso com responsabilidade e resolutividade nos serviços.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados deste estudo mostram que os indivíduos hipertensos que procuraram o Hospital Municipal para atendimento de emergência hipertensiva, em geral, mantêm um vínculo frágil com a UBS e que os mesmos avaliam que recebem pouco suporte e apoio por parte dessa instituição para tratamento da HA, não percebendo inclusive qualquer atendimento diferenciado no acompanhamento e controle desta patologia.
Nas entrevistas, detectamos que os hipertensos clamam por um melhor acolhimento na UBS, principalmente no que se refere à mensuração dos níveis pressóricos, atitude tão básica e simples, porém de extrema importância no atendimento ao hipertenso.
É provável que, pelo menos em parte, seja em decorrência da falta de acolhimento por parte dos profissionais da UBS que os hipertensos em estudo precisaram procurar as unidades de emergência para atendimento da descompensação dos níveis pressóricos. A ausência de vínculo com os profissionais de saúde constitui um indicativo de que a UBS não tem se apresentado como uma rede de apoio a estes indivíduos, os quais não percebem nela uma referência para a solução de seus problemas de saúde.
Outra característica é a falta de incentivo para a participação nas reuniões dos grupos de hipertensos, sendo que alguns reclamam inclusive, que nunca foram convidados a participar de tais encontros, embora esta atividade exista na UBS em que eles fazem o acompanhamento de sua condição de saúde. Essas atividades deveriam ser mais valorizadas pelos profissionais e pelos usuários, visto que são momentos necessários para que a equipe possa desempenhar ações de prevenção e promoção em saúde por meio de orientações relacionadas à saúde-doença, além de possibilitar que os hipertensos esclareçam dúvidas e troquem suas experiências com outros participantes.
Outro componente apontado como fator que proporciona um distanciamento do hipertenso em relação à UBS é distância geográfica. Na opinião dos mesmos, a distância e a facilidade de acesso às UBS têm importância no sentido de que muitos deles apresentam dificuldade de deambulação e não conseguem ir até à unidade ocasionando, desse modo, um acompanhamento em saúde inadequado.
Outros fatos que justificam a procura pela unidade são a aquisição de medicação anti-hipertensiva, consultas médicas e verificação da pressão arterial. Observa-se que a procura pela unidade de saúde ocorre predominantemente diante de sintomas e sinais físicos, demonstrando que o hipertenso é quem se autoavalia nas suas necessidades de atendimento e de procura pela UBS. Este fato demonstra que a compreensão do processo saúde doença pode aproximar ou afastar o hipertenso da unidade, pelo fato de o mesmo ter uma tendência de só procurar a unidade de saúde quando se percebe "doente", não compreendendo a importância de um acompanhamento para a prevenção e promoção em saúde.
Um dos aspectos que chamou nossa atenção foi o fato do enfermeiro não ter sido referido em nenhum momento como o profissional em quem os indivíduos do estudo buscam apoio quando procuram atendimento na UBS. No entanto, este profissional é o responsável pela organização da unidade de saúde, pelo preenchimento de vários documentos relacionados aos programas desenvolvidos na mesma, pela coordenação dos técnicos e auxiliares de enfermagem e agentes comunitários de saúde, além da assistência direta à clientela espontânea.
Diante das lacunas existentes na assistência prestada ao hipertenso na atenção básica, os enfermeiros precisam repensar sua atuação profissional junto à população, apesar das inúmeras dificuldades enfrentadas no seu cotidiano. Parece ser necessário não só resgatar o foco da atenção para a prevenção e a promoção em saúde, como também valorizar o atendimento direto à clientela hipertensa. Além disso, os profissionais precisam reconhecer que a UBS pode se constituir em um importante setor na rede social dos hipertensos e entender que o vínculo dos usuários com esta instituição pode ser a chave do sucesso para um atendimento mais efetivo, caracterizado por uma melhor adesão ao tratamento e valorização dos sujeitos como um todo.

REFERÊNCIAS
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 Correspondência: 
Sonia Silva Marcon
Av. Colombo, 5790, bl 001, sala 23
87020-900 - Campos Universitário, Maringá, Paraná, Brasil
E-mail: soniasilva.marcon@gmail.com
Recebido: 26 de março de 2010 

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