terça-feira, 16 de setembro de 2014

Photographing stars with a digital camera

Fotografando estrelas com uma câmera digital



Pedro Antônio Ourique; Odilon Giovannini; Francisco Catelli1
Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, RS, Brasil



RESUMO
Diversas possibilidades de uso da câmera fotográfica digital no ensino de astronomia são apresentadas neste trabalho. As técnicas aqui descritas envolvem recursos acessíveis e de baixo custo quando comparados com equipamentos profissionais que são usados para este fim. Na primeira parte do trabalho são apresentadas configurações da câmera que permitem obter imagens do céu noturno; na segunda parte são descritas estratégias didáticas de ensino de astronomia por meio destas imagens.
Palavras-chave: ensino de astronomia, câmera digital, identificação de constelações, cor das estrelas, determinação do pólo celeste sul, movimento dos planetas.

ABSTRACT
Several possible applications of digital cameras for the teaching of astronomy are presented in this work. The techniques described here involve low cost resources when compared to professional equipment used for the same purpose. In the first part of the work the suitable settings to obtain images of the night sky are described; in the second part strategies for astronomy teaching with the aid of these images are presented.
Keywords: astronomy teaching, digital camera, identifying constellations, color of stars, locating the south celestial pole, movement of planets.



1. Princípios de funcionamento da câmera digital
O céu foi, é e sempre será fonte de fascinação. Se vasculharmos na história antiga, encontraremos (entre muitos outros achados) sete artes liberais. Quatro delas, designadas pelos Gregos antigos de quadrivium,2 são: a aritmética, a geometria, a música e a astronomia. Esta última é a "arte" que nos ocupará neste trabalho.3 Como eles, ao olhar para o céu numa noite escura e limpa, nos impressionaremos com a visão de uma "imensa esfera" impregnada de estrelas, a "abobada celeste". É possível conjecturar que os Gregos estivessem animados não apenas de um prazer estético ao olhar o céu. Seria a visão do céu com os "olhos da razão"? Mas afinal, por que olhamos para o céu? Que inspirações nos fazem ver nele imagens? Segundo Popper4 "Existe ao menos um problema filosófico que interessa a todos os homens que pensam: é o problema da cosmologia - o problema de compreender o mundo, nós inclusive - e nosso conhecimento, como fazendo parte do mundo".
Estudar o céu por meio de fotografia é uma boa forma de identificar não apenas o desenho das constelações "conhecidas" hoje em dia, mas, sobretudo, é uma excelente oportunidade de colocar nossos conhecimentos dentro de seus contextos de origem: acontecimentos sociais e históricos que levaram os mais diversos povos à criação destas diferentes representações. Por exemplo, embora saibamos que muitas das imagens representativas das constelações foram criadas pelos gregos, será que outros povos não produziram suas próprias representações?
Fotos do céu podem levar ao mundo da astrofísica. Os estudantes invariavelmente ficam surpresos quando descobrem que as estrelas não são todas "brancas". Elas têm cor! Mal sabem eles que a fascinação está apenas por começar. "Histórias", como a da descoberta do gás hélio, feita primeiro "no céu" (para ser mais exato, no Sol), para, só depois, ser concretizada na Terra,5 fazem com que esta fascinação pelo Cosmos cresça ainda mais.
Hoje, com o advento da rede mundial de computadores, o número de imagens do céu, feitas com os mais sofisticados telescópios, é simplesmente imenso.6 Este fato não elimina, entretanto, o desejo que praticamente qualquer pessoa interessada em astronomia tem de produzir suas próprias imagens. O problema é que este tipo de equipamento - telescópio, tripé, mecanismo de acompanhamento, câmera fotográfica acoplada à ocular - não é em geral acessível.7 E o que é pior, o custo deste material é em geral (e sem trocadilho...) astronômico. Ótimas fotos do céu noturno podem ser obtidas por meio de uma câmera fotográfica digital simples e um tripé.
O registro de imagens do céu com câmera fotográfica (analógica) não é novidade [3]. O diferencial do presente trabalho está no uso da câmera digital e todas as facilidades que ela traz, como será apontado mais adiante.
Câmera digital (CD) versus câmera analógica (CA): o que ambas têm em comum? Quase tudo. Um bom ponto de partida é uma revisão breve dos princípios físicos de uma câmera, seja ela uma CD ou uma CA. Uma lente convergente - na verdade, um grupo de lentes, o qual funciona como uma única lente de grande qualidade, produz uma imagem real e invertida do objeto que se quer fotografar. Este conjunto de lentes é denominado de "objetiva". Se o objeto a fotografar está a uma grande distância, o que é o caso neste trabalho, a imagem formar-se-á no plano focal da objetiva. Imagens de objetos mais próximos formar-se-ão em distâncias maiores que a distância focal da objetiva.
O controle da quantidade de luz que passa pela objetiva é realizado pelo "diafragma", o qual controla a abertura da lente. De forma breve, o diafragma é um mecanismo que permite controlar o diâmetro de uma abertura central, limitando assim a quantidade de luz que atinge o CCD. Quanto menor o diâmetro da abertura, menor é a quantidade de luz que passa pelas lentes; o resultado prático é o de que a imagem fica menos brilhante.8
Como a imagem produzida pela objetiva é processada? Essa é a maior diferença entre as CDs e as CAs. Nas CAs, a imagem é formada sobre um filme, no qual ocorrem reações químicas em decorrência da exposição à luz. Nas CDs, em lugar do filme existe um dispositivo semicondutor, em geral um CCD ou CMOS,9 o qual, sob a ação da luz, produz correntes elétricas que geram um arquivo digital binário de dados que devidamente decodificado pela eletrônica da câmera (ou de um computador) restitui a imagem numa tela.
sensibilidade de um filme fotográfico (ou um CCD) diz respeito à forma como este responde à luz. A norma ISO estipula a quantidade de luz que deve atingir o filme fotográfico (ou o CCD) para que a imagem seja processada de forma ótima. Esta norma vale tanto para as CAs quanto para as CDs. Quanto maior o número ISO, menos luz será necessária para obter a imagem. Então, em princípio, quanto menos luminoso for o objeto a fotografar (o que é o caso deste trabalho) maior deveria ser a sensibilidade ISO escolhida. Mas há um problema: a imagem fica degradada na medida em que sensibilidades mais altas são empregadas, e isso vale tanto para os filmes das CAs quanto para os CCDs das CDs. Experimente selecionar na sua CD uma sensibilidade ISO alta: você verá que a imagem obtida será mais clara, mas o preço a pagar será uma degradação da qualidade da foto ("ruído óptico" e granulação da imagem). Como esta degradação pode ser mais ou menos significativa em função do modelo da câmera, tente as várias opções de sensibilidade que sua câmera oferece. Se você tem dúvidas sobre como selecionar a sensibilidade ISO na sua câmera, consulte o manual (ou, se preferir, navegue pelos controles da câmera até descobrir).
Tanto na CD quanto na CA, a luz é processada durante um intervalo de tempo (em geral da ordem do centésimo de segundo), o qual é denominado velocidade do obturador - essa expressão é sinônima de "tempo de exposição". No caso das CAs, o filme virgem recebe luz apenas durante este tempo pré-selecionado, permanecendo após a exposição no interior da câmera, no escuro, até ser revelado. O mecanismo que controla a exposição do filme à luz é denominado "obturador". Nas câmeras digitais, o processo é eletrônico. Quando o botão disparador é pressionado, o CCD e a eletrônica da câmera geram o arquivo de dados que contem a imagem, durante o tempo pré selecionado - a "velocidade do obturador". Os números que a identificam são na verdade frações de segundo. Por exemplo, se a velocidade selecionada for "125", isto significa que o tempo durante o qual o filme ou o CCD receberão a luz para a produção da imagem é de 1/125 s. No entanto, quando os tempos selecionados são um número inteiro de segundos, por exemplo, 10 s, eles aparecerão no menu da câmera digital escritos assim: 10". Não serão explorados aqui detalhes da eletrônica e computação envolvidas; noções introdutórias úteis poderão ser localizadas rapidamente em qualquer boa enciclopédia eletrônica.
Para uma melhor compreensão da combinação entre sensibilidadeabertura do diafragma e tempo de exposição (velocidade do obturador), pode-se fazer uma analogia entre uma torneira de água aberta com o objetivo de encher um recipiente, tal como uma forma retangular de pizza, e um CCD (ou filme). A abertura do diafragma da lente corresponde então (nesta analogia) à abertura da válvula da torneira: quanto maior a abertura mais rapidamente será captada a luz necessária para formar a imagem. Analogamente, quanto maior a abertura da válvula da torneira mais rapidamente o recipiente será preenchido com água. O tempo de exposição corresponde ao tempo em que a torneira fica aberta: quanto maior for este tempo, mais luz será captada. Quanto maior o tempo que a válvula da torneira fica aberta, mais água será depositada na bacia.
Finalmente, a sensibilidade do filme (ou CCD) pode ser associada à altura da borda do recipiente. Altos números ISO correspondem a recipientes de bordas rasas. Inversamente, baixos números ISO correspondem a recipientes de bordas altas. Imagens formadas com a quantidade correta de luz correspondem a recipientes cheios por completo. Assim, é fácil entender que, quanto maior a sensibilidade, mais rapidamente é captada a luz necessária para formar a imagem (ou seja, encher o recipiente). Ou, quanto mais baixa for a bacia, menos tempo ela leva para ficar cheia [6].

2. Equipamentos utilizados
Quais câmeras digitais se prestam para a obtenção de fotos do céu, como as que são apresentadas neste trabalho? Em princípio, todas aquelas que permitirem que o tempo de exposição seja ajustado manualmente. Muitas câmeras que poderiam ser classificadas de "populares" apresentam este recurso. Neste trabalho foram usadas duas câmeras: uma Sony modelo P150® e uma Sony modelo W200® (Fig. 2). Estes são modelos populares, sem pretensões profissionais. As duas câmaras possuem recursos de ajuste manual de abertura, de sensibilidade ISO e de tempo de exposição.




Algumas vantagens da câmera digital: a primeira delas é a grande disponibilidade destes aparelhos, hoje extremamente populares. Além disso, o custo é (relativamente) baixo, principalmente se for considerado que não se trata de adquirir uma câmera para este fim, e sim de utilizar uma que já esteja previamente disponível.
Outra (enorme) vantagem: o resultado pode ser conferido imediatamente. Se a foto ficou muito escura, pode-se repeti-la selecionando uma abertura maior do diafragma da câmera. Ou pode-se regular uma sensibilidade ISO maior (a sensibilidade dos filmes e CCDs será retomada a seguir). Ou ambas as coisas.
O tripé é um acessório indispensável. Bons tripés são bastante sólidos, firmes e de boa altura. Mas também são razoavelmente caros. Se um destes tripés não estiver disponível, os modelos pequenos também funcionam muito bem. Existem modelos no comércio informal, de 10 cm a 20 cm de altura, que custam pouco mais que uma dezena de reais (veja a Fig. 2). Não são muito confortáveis para se trabalhar, mas permitem obter fotos do céu de excelente qualidade.

3. Procedimento experimental
Descrevemos, a seguir, de forma sucinta, o procedimento passo a passo para a obtenção das fotos.
1- A câmera deve ser acoplada a um tripé (se for pequeno, ele pode ser posicionado sobre um lugar alto, a capota de um carro, por exemplo).
2- Bloqueie o flash.
3- Sensibilidade: a idéia é iniciar com uma sensibilidade não muito alta, algo como ISO 200, por exemplo.
4- Abertura do diafragma. Se sua câmera oferece o modo manual, é provável que você disponha de duas ou mais aberturas selecionáveis. Estas são representadas pela letra "f" seguida de um número. Comece com a abertura representada pelo número menor, por exemplo, f 2.8. Quanto menor este número, maior a quantidade de luz que atinge o CCD. Ao contrário das altas sensibilidades, aberturas maiores não degradarão a imagem.
5- Tempo de exposição ou velocidade do obturador em algumas CDs. Uma exposição de 10 ou 15 s é um bom ajuste de partida. Em seguida, dependendo dos resultados, este intervalo pode ser aumentado ou diminuído. (Algumas câmaras permitirão um tempo máximo de 16 s).
6- Focalização: nas câmeras com modo de regulagem manual, selecione a opção infinito (). Se esta opção não estiver disponível, tente utilizar o modo "fogos de artifício", ou o modo "starry night" (noite estrelada), disponível em alguns modelos de câmaras. Em ambos os casos o foco é ajustado automaticamente pela eletrônica da câmera para a opção infinito.
7- Se preferir, desligue a tela de visualização da câmera. De qualquer modo, você não verá as estrelas na tela ao apontar a câmara para o céu, você só as verá após ter "batido" a foto. O tempo que a câmera leva para processar uma imagem feita com grande tempo de exposição também é bastante grande, tipicamente da ordem do tempo de exposição selecionado. Um exemplo: se o tempo selecionado for de 15 s, a câmara levará outros 15 s adicionais para processar a imagem. Só após este tempo de processamento é que as estrelas poderão ser visualizadas no visor da câmera.
8- As fotos devem ser obtidas através do uso do ajuste do dispositivo retardador de disparo, presente em praticamente todas as câmeras digitais. Este controle tem o efeito de, uma vez pressionado o obturador, só disparar a câmara após um tempo predeterminado, em geral 10 s. Apesar de ser possível fazer boas fotos atuando diretamente no botão disparador, o uso do retardador diminui bastante a possibilidade de vibração do tripé e da câmera. Se o tripé não for de boa qualidade, o uso do dispositivo retardador é indispensável.
9- Campo de visão. Vale aqui uma regra geral: use grandes campos de visão. Ou seja, não use o recurso de zoom (use a câmera tal como ela se ajusta ao ser ligada). Com isso, áreas maiores do céu serão capturadas, e - por exemplo - o reconhecimento das constelações fica grandemente facilitado. Todas as fotos deste trabalho foram feitas como o zoom da câmara na posição mais aberta. Nada impede de produzir fotos utilizando o zoom da câmera. Entretanto, as imagens ficarão menos imunes à vibração. O uso de zoom digital apenas diminuirá o campo da imagem e a degradará. Portanto, use apenas o zoom óptico. Operações de ampliação digital, como a da Fig. 2, sempre poderão ser feitas depois, no computador.
10- Condições do tempo. O ideal é executar as fotos em noites de céu totalmente limpo. Nuvens, mesmo que em pequena quantidade, podem prejudicar sensivelmente a qualidade das fotos, dificultando a identificação das constelações e a cor das estrelas.
11- Fases da lua. A princípio isto parece insignificante, no entanto, deve-se priorizar uma noite de lua nova ou lua crescente e minguante, em horas que a lua ainda não tenha nascido ou já tenha se posto, pois a luz espalhada dificulta a identificação das estrelas.
12- Localização e melhor horário para fotografar a constelação desejada. Cumpridas as etapas anteriores, e caso haja interesse em fotografar uma constelação específica, será necessário encontrar o melhor horário para encontrá-la em uma boa altura no céu, uma vez que, em fotos muito próximas ao horizonte, a luz parasita produzida pela iluminação pública poderá prejudicar a visualização. Para esta identificação, nada melhor do que usar um programa de astronomia; dentre muitos que estão disponíveis mencionaremos dois em especial: CyberSky e Stellarium. O último tem a vantagem de ser um programa livre, e de muito boa qualidade. Outra característica que torna este programa diferenciado é que, além de mostrar as 88 constelações reconhecidas pela União Astronômica Internacional http://www.iau.org/ (UAI), apresenta ainda as constelações de outras culturas, tais como as da China, Egito, Coréia, povo Navajo, povo Tupi-Guarani, entre outras. Voltaremos a este assunto mais adiante.
Mas, o leitor atento perguntará: e a rotação da Terra? Como será exposto a seguir, tempos de exposição da ordem de dezenas de segundos não afetarão significativamente as imagens. Tome-se, por exemplo, um tempo de exposição de 15 s. Neste tempo, um ponto da superfície da Terra (a câmera, por exemplo) gira, em relação a uma estrela distante, de um ângulo de aproximadamente 15 × (360º/86 400) = 0,0625º, onde 86 400 é o número de segundos num dia. E, é claro, um dia corresponde a uma rotação completa da terra em torno do eixo, ou seja, 360º. Este ângulo é aproximadamente o mesmo subentendido por uma moeda de um Real, vista a 23 m de distância (é muito interessante pedir aos alunos que realizem esta visualização em aula). Nestas condições, o que seria um ponto (a imagem de uma estrela) transforma-se num "risco", neste caso bastante "curto". Nas fotos só é possível ver este efeito com grandes ampliações da imagem na tela do computador, tal como na Fig. 2. Ou seja: na prática, o movimento da Terra atrapalha muito pouco a resolução das fotos digitais.

4. Atividades didáticas
1- Identificação de constelações. Há nada menos que 88 constelações reconhecidas pela UAI. Algumas destas constelações podem ser facilmente identificadas e podem ser "desenhadas" sobre fotos do céu. Mas as constelações reconhecidas pela UAI não os únicos desenhos possíveis de serem imaginados. Culturas diferentes vêem o céu de modo diferente. Com tudo isso em mente, propomos a atividade a seguir.
Inicialmente, os alunos trabalham com uma versão impressa ou cópia xérox10 de uma fotografia do céu, se possível produzida por eles mesmos. Em seguida, os grupos são convidados a criar, livremente, traços que ligam estrelas e formam imagens, as que eles próprios crêem ver na foto. É importante que neste momento a criatividade e imaginação estejam liberadas; não deve haver (ainda) nenhum tipo de consulta ou busca a qualquer fonte.
Na seqüência, é explicado aos estudantes que, por um processo similar, e ao longo de muitos anos, as diversas culturas cristalizaram formas próprias de ver o céu. A partir deste ponto, vale uma consulta a cartas celestes ou programas de astronomia. Os alunos conseguirão encontrar as estrelas que formam uma determinada constelação, digamos, Órion, e desenhar esta constelação? Eles certamente empolgar-se-ão com o desafio. Como ilustração, são apresentadas a seguir fotos do céu por nós realizadas, às quais foram sobrepostos os desenhos de constelações. Na Fig. 4-a são representadas as constelações ocidentais de Órion e Touro. Na imagem seguinte (Fig. 4-b) aparece a mesma foto, porém com a representação da constelação do Homem Velho, tal como percebida pelo povo Tupi-Guarani.11 Esta atividade didática é bastante indicada para uso no ensino fundamental e (ou) médio, seja como atividade de aula, seja como atividade adicional, uma feiras de ciências, por exemplo.





2- Aumento impressionante do número de objetos celestes que podem ser vistos na foto quando comparados com os visíveis a olho nu. Olhe para o céu, para um ponto específico de uma constelação. Depois, olhe para a imagem digital que você obteve: há ou não há mais detalhes na foto do que é possível perceber a olho nu? Esta atividade também é indicada para o nível médio. Já num nível universitário (disciplinas de instrumentação para formação de professores de ciências e (ou) física, cursos introdutórios de astronomia) é pertinente -por exemplo - associar o número de objetos celestes capturados pela câmera à quantidade de luz processada pelo sistema óptico, que por sua vez depende da abertura selecionada.
3- Poluição luminosa e fotos do céu. A poluição luminosa se constitui num dos maiores problemas para os adeptos da astronomia em todo o mundo, tanto que uma das metas do Ano Internacional da Astronomia é a "campanha para recuperação do céu escuro".12 Não se trata é claro de deixar as cidades às escuras, mas sim de usar uma iluminação adequada e precisa. Mas, como "quantificar" o grau de poluição luminosa? Observe o cinturão de Órion; comparando as estrelas que é possível ver a olho nu com diagramas fornecidos na literatura,13 pode-se estimar o grau de poluição luminosa do local onde serão executadas as fotos.
A poluição luminosa é um problema para qualquer pessoa que deseje fazer observações astronômicas e fotografar estrelas. Entretanto, com as técnicas descritas neste trabalho, é possível fazer boas fotos, mesmo com condições relativamente más de luz ambiente. Para que o leitor possa ter uma idéia, as fotos publicadas neste artigo foram todas feitas na cidade de Caxias do Sul - RS, uma cidade de aproximadamente 500 mil habitantes que, como é fácil imaginar, é abundantemente iluminada à noite. Entretanto, para fazer estas fotos, tomou-se o cuidado de impedir que a luz ambiente incidisse diretamente sobre a lente da câmera fotográfica, através de um anteparo improvisado com uma caixa de papelão. Este anteparo não deve ter nenhum contato físico nem com a câmera, nem com o tripé. Esta atividade, a nosso ver, pode ser desenvolvida em todos os níveis, em graus diferentes de complexidade. No nível fundamental, a exploração do fenômeno da atenuação da luz num meio com partículas em suspensão pode ser empreendida. Já o espalhamento da luz por estas partículas em suspensão poderia ser abordado fenomenologicamente no nível médio, e de forma mais avançada, em nível universitário.
4- Resolução cromática: as estrelas têm cor! Dá para discernir claramente as estrelas frias (vermelhas) das estrelas quentes (azuladas) [8]. Veja a Fig. 6 e compare as cores que você vê com aquelas representadas nos programas de astronomia (Stellarium, por exemplo). As cores, é claro, coincidem, pelo menos para as estrelas mais brilhantes.




Esta também é uma atividade adequada tanto para o nível médio (dentro da perspectiva de uma abordagem mais fenomenológica) quanto num contexto universitário, no qual a lei de Planck da radiação poderia ser evocada. Se esta técnica de fotos do céu for empregada no contexto de um curso de astronomia, é possível discutir de maneira introdutória aspectos de astrofísica, tais como o diagrama de Hertzprung - Russell, a seqüência O B A F G K M e as respectivas temperaturas.
5- Explorando a mecânica celeste: A determinação do pólo sul pode ser feita através de duas fotos do Cruzeiro do Sul, espaçadas de uma hora (ver Fig. 7 e a legenda). A idéia é simples: a Terra dá uma volta completa em torno do seu eixo em aproximadamente 24 horas. Aponte a câmera para a região do Cruzeiro do Sul e faça uma foto, como descrito. Nesta foto, capture também alguma referência terrestre, tal como o topo de uma árvore, um prédio, ou algo similar. Não mova o tripé nem a câmera; aguarde uma hora e faça uma nova foto, com o mesmo enquadramento. Não há problema se houver algum pequeno movimento da câmera neste intervalo de tempo.


Vamos agora à determinação do pólo sul celeste: se houver um projetor multimídia disponível, projete a primeira foto no quadro. Faça um longo traço (com giz, no quadro) que passe pelo braço maior da cruz. Risque, também com giz, o contorno da árvore ou prédio que foi capturada na foto. Feito isso, projete a segunda foto, e ajuste o projetor de modo que haja um "encaixe" da árvore ou prédio com o seu contorno, feito com giz. Você verá que, após o ajuste, a posição do "segundo" Cruzeiro do Sul não coincide com a do primeiro. Risque então, novamente, o prolongamento do braço maior do "segundo" Cruzeiro do Sul: o ponto onde o prolongamento da primeira foto e o da segunda se cruzam é (com muito boa aproximação) o pólo sul celeste. O leitor quer conferir se este procedimento é correto? Basta usar o programa Stellarium, e ativar o comando "grade equatorial". A posição do pólo sul, visualizada na grade, praticamente coincide com a que é encontrada a partir do processo acima descrito.
Fig. 7 é a sobreposição de duas destas fotos, obtida através de um programa de tratamento de imagens.14 Da mesma forma que nas atividades anteriores, esta (e também a atividade 6, a seguir) pode ser explorada tanto em nível médio quanto em nível universitário, em cursos introdutórios de astronomia, onde sejam abordados tópicos de astronomia de posição.
6- O movimento dos planetas contra o fundo das estrelas "fixas". Outro recurso interessante consiste em fazer fotos da mesma região do céu intervaladas de (por exemplo) três meses. Se nestas fotos for capturado um planeta, Marte, Júpiter ou Saturno, será possível ver que ele se "move" contra o fundo de estrelas. Veja as Figs. 8-a e 8-b e suas legendas.



5. Limitações das câmeras digitais
A principal delas refere-se ao tempo máximo de exposição, que é limitado a 16 s, ou 30 s, talvez 60 s, no máximo, dependendo do modelo de câmara. Nestas condições, o "traço" que as estrelas deixam na imagem é quase imperceptível, a não ser em grandes ampliações. Entretanto, numa câmera analógica (profissional, com mais recursos) há a regulagem "B": com ela (e mais um cabo disparador), é possível fotografar com tempos de exposição de horas. Nestas fotos, de exposição de várias horas, o "traço" das estrelas é completamente visível, e corresponderá a arcos de círculo, cujo centro (no hemisfério sul) é o pólo sul.

6. Conclusões
Todos os aspectos mencionados (desenhos das constelações, cores das estrelas, movimento da abóbada celeste, entre outros) podem ser explorados. As sessões de fotos podem ser realizadas no horário de aula (se for noturno), ou como atividade extra classe. Uma exposição pode ser organizada: neste caso, cópias das melhores fotos podem ser feitas em papel, num laboratório fotográfico. Se os estudantes tiverem acesso a programas de tratamento de imagens, é possível melhorar significativamente as fotos obtidas, através de programas como o Adobe Photoshop®, Picasa® (da Google), GIMP - Gnu Image Manipulation Program e outros. (Alguns endereços eletrônicos são fornecidos em anexo). Para aqueles estudantes (ou professores) que quiserem aprofundar o tema da fotografia digital de estrelas, há várias fontes atualmente disponíveis. Uma excelente fonte introdutória é o DVD "De olho no Céu", editado pela IAU (www.astronomia2009.org.br), em especial o item "Da prata ao silício". Outras obras que podem ser consultadas dentro do tema da fotografia digital do céu são, por exemplo, as de Wodaski [9] e Covington [10].
Finalmente, cabe destacar o que nos pareceu o aspecto mais relevante deste trabalho: a grande motivação dos estudantes envolvidos.

Agradecimentos
À Universidade de Caxias do Sul - UCS, ao CNPq, à FINEP e aos revisores da RBEF pelas valiosas sugestões.

Referências
[1] C.B. Boyer, História da Matemática (E. Blücher, São Paulo, 1996).         [ Links ]
[2] C.G. Hempel, Élements d'Épistemologie (Colin, Paris, 1985).         [ Links ]
[3] M.C.D. Neves e R.F. Pereira, Revista Latino-Americana de Educação em Astronomia 4, 27 (2007).         [ Links ]
[4] F. Catelli, M. Andreaza, O. Giovannini e F.S. Silva, A Física na Escola 9(2), 16 (2008).         [ Links ]
[5] F. Catelli, Caderno Catarinense de Ensino de Física 13, 172 (1996).         [ Links ]
[6] Fotografia: Manual Completo de Arte e Técnica (Abril Cultural/Time-Life Books, São Paulo, 1980).         [ Links ]
[7] G. Afonso, Scientific American Brasil, Edição Especial Etnoastronomia, 46 (2006).         [ Links ] G. Afonso, Scientific American Brasil, Edição Especial Etnoastronomia, 72 (2006).         [ Links ]
[8] G. Dionísio e P.H. Dionísio, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 24, 50-53 (2007).         [ Links ]
[9] R. Wodaski, The New CCD Astronomy (New Astronomy Press, New York, 2002).         [ Links ]
[10] M.A. Covington, Digital SLR Astrophotography v. 3 (Cambridge University Press, Londres, 2007), sériePractical Amateur Astronomy.         [ Links ]




1 E-mail: fcatelli@ucs.br.
2 Segundo Boyer [1], o quadrivium foi estabelecido por Arquitas de Tarento, um dos últimos pitagóricos (liberais e figurantes) contemporâneo a Platão. Para ele, a reunião da aritmética, geometria e astronomia compunham um rol de disciplinas essenciais e necessárias ao desenvolvimento do filósofo.
3 Pode-se dizer que esta é uma "nobre ocupação", visto que 2009 é o ano internacional da Astronomia.
4 Popper, citado por Hempel [2, p. VII].
5 Ver, por exemplo, http://en.wikipedia.org/wiki/Helium.
6 Descrições empolgantes de telescópios e de alguns de seus usos podem ser encontradas no DVD "De olho no céu", editado pela União Astronômica Internacional em comemoração ao ano internacional da Astronomia.
7 Por outro lado, é possível acoplar uma câmera digital comum à ocular de um telescópio, a um custo muito baixo, como descrito na referência [4]. Mas para isto um telescópio, em geral de alto custo, deverá estar disponível.
8 Um detalhe intrigante e curioso: na medida em que o diafragma da objetiva diminui, a imagem fica menos brilhante, mas não muda de tamanho! Para entender este "paradoxo" ver, por exemplo a referência [5].
9 Tanto o CMOS quanto o CCD constituem um arranjo de dispositivos sensíveis à luz, ou "pixels". Um arranjo típico pode ser constituído de 7 200 000 destes condutores. Em linguagem corrente, diz-se que se trata de uma câmera digital de "7,2 Mega".
10 Um procedimento adequado para a obtenção de cópias de fotos do céu pode ser o seguinte: selecione no computador uma boa foto do céu, e através de um programa de tratamento de imagem (por exemplo, Adobe Photoshop®, Picasa ou GIMP, os dois últimos de uso livre), inverta a imagem. Inverter significa transformar o que é escuro em claro, e vice versa. Com isso as estrelas aparecerão como pontos pretos em um fundo branco, o que é especialmente adequado para a confecção de cópias xérox. Imagine uma cópia xérox de uma imagem predominantemente negra (o céu), com as estrelas representadas por pontos claros: a cópia ficaria de péssima qualidade.
11 As constelações usadas pelos índios Tupi-Guarani foram estudadas, entre outros, pelo astrônomo Germano Afonso: ver a edição especial da revista Scientific American Brasil sobre Etnoastronomia [7]. Caso o leitor não tenha acesso a esta revista, poderá procurar trabalhos do mesmo autor sobre este tema nos seguintes endereços eletrônicos: http://www.telescopiosnaescola.pro.br/indigenas.pdf ou http://staff.on.br/maia/app2 hp/Astronomia afro-indigena.pdf.
12 O leitor poderá encontrar mais informações sobre o tema no endereço eletrônicohttp://www.astronomia2009.org.br/.
13 Veja http://www.globe.gov/GaN/index.html.
14 Em linhas gerais, o procedimento foi o seguinte: a segunda foto foi transformada no Adobe Photoshop® para preto e branco, e depois invertida (as partes claras ficaram escurecidas, e vice versa. Note que as estrelas do Cruzeiro correspondentes à segunda foto aparecem em preto). Depois, com a ferramenta "borracha" foram apagadas todas as estrelas desta segunda foto invertida, exceto as quatro da cruz. Foram mantidas as referências terrestres. Em seguida, esta segunda foto trabalhada foi sobreposta à primeira; um ajuste na opacidade permitiu ver a imagem da primeira foto, e a segunda foto sobreposta à primeira. O referencial da Terra (as árvores) foi ajustado cuidadosamente de modo a coincidir nas duas fotos. Finalmente, os traços em branco foram feitos através do programa Paint do Windows®.


Anexo 1
Softwares mencionados no texto e respectivos endereços eletrônicos
GIMP: http://www.gimp.org/downloads/ (programa de tratamento de imagens, livre).
PICASA 3: http://picasa.google.com.br/ (programa de tratamento de imagens, livre).
Adobe Photoshop: http://www.adobe.com/br/products/photoshop/photoshop/ (programa de tratamento de imagens).
CyberSky: http://www.cybersky.com/ (programa de astronomia, versão de demonstração).
Stellarium: http://stellarium.pt.malavida.com/d1257-download-gratis-windows (programa de astronomia, livre. Neste endereço encontra-se uma versão em Português).

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