quinta-feira, 17 de julho de 2014

Manifestações de linfoma na síndrome de Sjögren: existe relação?




Fabrícia Dias Colombano LimaresI; Rita De Cássia SolerII; Ivo Bussoloti FilhoIII
IMestranda em Otorrinolaringologia pela Faculdade de Ciências Médicas de São Paulo, autônoma
IIMestre e Doutora pela Faculdade de Ciências Médica da Santa Casa de São Paulo, Professor Instrutora do Departamento de Otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências Médica da Santa Casa de São Paulo
IIIMestre e Doutor em Otorrinolaringologia pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, Professor Adjunto do departamento de Otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências Médica da Santa Casa de São Paulo



RESUMO
A Síndrome de Sjögren (SS) é considerada uma afecção multissistêmica, crônica, que se caracteriza pela infiltração linfocítica nas glândulas exócrinas e a produção de auto-anticorpos.
OBJETIVO: Vários estudos têm notado um aumento na incidência de linfomas malignos em pacientes com SS. Em nosso estudo tentamos descrever esta relação.
FORMA DE ESTUDO: Coorte transversal.
MATERIAL E MÉTODO: Pacientes com Síndrome Sicca acompanhados no ambulatório de Estomatologia do Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, no período de julho de 1999 a abril de 2002.
RESULTADOS: Dos 39 pacientes, 24 foram classificados com SS. A idade variou de 19 a 83 anos, com predominância do sexo feminino (69,7%). O intervalo de tempo entre o início dos sintomas e o diagnóstico de SS variou de 3,77 anos. Não foi observado desenvolvimento de linfoma em nenhum dos pacientes avaliados.
CONCLUSÃO: O diagnóstico de SS e o aumento do risco de desenvolvimento de Linfoma ao longo dos anos são importantes, então um longo período de seguimento destes pacientes é fundamental. Observamos que nossos achados foram diferentes quando comparados com a literatura. Nós não encontramos nenhum linfoma em nossos pacientes.
Palavras-chave: síndrome Sjögren, linfoma, síndrome Sicca.



INTRODUÇÃO
A Síndrome de Sjögren (SS) é considerada uma afecção crônica, multissistêmica, que se caracteriza por disfunção das glândulas exócrinas, anormalidades sistêmicas de múltiplos órgãos e hiperreatividade sorológica. Apresenta duas formas distintas: a forma primária, caracterizada por xerostomia e xeroftalmia e a forma secundária na qual no mínimo um destes dois sintomas estão associados a uma doença do tecido conjuntivo.
A SS é caracterizada pela infiltração linfocítica nos tecidos e a produção de auto-anticorpos. A etiologia não é bem definida, mas fatores genéticos, hormonais e ambientais podem estar envolvidos1. Aproximadamente 90% dos pacientes portadores de SS são do sexo feminino, entre 40 e 50 anos de idade, mas também tem sido encontrada em crianças2. Os pacientes com aumento das glândulas salivares são constantemente um grande problema na SS. Persistentes envolvimentos glandulares nestes indivíduos tornam-se preocupantes devido ao risco de transformação em Linfoma Não-Hodgkin. São linfomas de células B de baixo grau e podem ser similares a linfomas que se desenvolvem em outros tecidos linfóides associados a mucosas (MALT), que incluem o estômago, a tireóide e o fígado3.
Linfoma Maligno foi primeiramente descrito em pacientes com SS em 19634. Subseqüentemente, vários casos descritos sustentam a associação de linfoma com Síndrome de Sjögren5,6 e reconhece o Linfoma Maligno Não-Hodgkin (MNHL) como a maior complicação da progressão da doença7. O risco de MNHL é estimado ser 44 vezes maior que na população normal7.
Segundo Sreebney & Broid 19878, os pacientes com SS apresentaram maior risco de desenvolverem Linfomas Malignos devido à relação existente entre as deficiências imunes e as doenças do sistema linfóide.
Os fatores implicados na gênese do Linfoma incluem desrregulação dos mecanismos que levam à apoptose, hiperestimulação das células B e participação de agentes infecciosos. A linfoproliferação policlonal que caracteriza a SS pode transformar-se em monoclonal e então em malignidade9. Dentre os agentes infecciosos, tem se aventado a relação do vírus da hepatite C com a SS10.
O conceito de Linfoma MALT sugere que esses tumores correspondem a estágios de diferenciação de células pós-foliculares e usualmente aparecem em lugares de disparos de estimulação antigênica crônica por infecções persistentes ou processos auto-imunes ou ambos11.
Os Linfomas MALT salivares parecem ser de baixo grau e indolente12,13. Alguns pacientes sobrevivem anos sem evidência de doença sistêmica após o diagnóstico e muitas lesões salivares linfoepiteliais igualmente com evidência de monoclonalidade não progridem para clínica definitiva de Linfoma13. Estudos tem mostrado que entre 40 a 80% das lesões salivares linfoepiteliais podem ter proliferação monoclonal14.
Em 5% dos pacientes com SS primário eventualmente desenvolve-se linfoma de células B15.
Segundo Zufferey et al.16, o intervalo entre o diagnóstico de SS e o aparecimento de linfoma geralmente varia entre 4 e 12 anos.

MATERIAL E MÉTODO
Foi realizado um estudo prospectivo, clínico e laboratorial, com corte transversal, em 39 pacientes com queixa de xerostomia, no período de julho de 1999 a abril de 2002, no ambulatório de Estomatologia do Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Como critério de inclusão, todos pacientes apresentavam a queixa inicial boca de seca (xerostomia). Não houve exclusão aos pacientes que estavam sob uso de qualquer tipo de medicação, como também pacientes com outras doenças associadas.
Os pacientes foram classificados como portadores de Síndrome de Sjögren baseados nos critérios de GECE17-20. O critério inclui 6 itens dos quais 4 itens devem estar presentes para a classificação.

RESULTADOS
A amostra seqüencial foi realizada com 39 pacientes, todos com xerostomia e, destes, 24 pacientes foram classificados como portadores de SS (preencheram os 4 critérios do total de 6 itens) comparados a 15 pacientes que não foram considerados como portadores de Síndrome de Sjögren (NSS). A idade dos pacientes variou de 19 a 83 anos. Observou-se que entre os 15 pacientes não-portadores de SS a média de idade foi de 53,67 anos e dentre os 24 portadores de SS, a média foi de 61,29. O intervalo de tempo entre o início da xerostomia e o diagnóstico de SS variou de 13 anos a 6 meses, com tempo médio de 3,77 anos.
Quanto ao sexo, em nossa casuística encontrou-se predomínio de pacientes do sexo feminino em relação ao sexo masculino. Dos pacientes do sexo masculino apenas 16,17% tinham SS, enquanto 69,7% do sexo feminino apresentaram SS.
Em nossa casuística não foi observado desenvolvimento de linfoma em nenhum dos pacientes avaliados.

DISCUSSÃO
A baixa prevalência da Síndrome de Sjögren Primária na população geral, a qual é estimada ser 0,2 a 1,4%21, combinado com o risco estimado de Linfoma MALT, chegando a 6,4 casos por 1000 por ano7 enfatiza o estudo limitado da doença em número inadequado de pacientes22.
Os linfomas aparecem em vários sítios extranodais mais freqüentes no trato gastrointestinal estabelecendo em locais com doença inflamatória crônica ou doenças auto-imunes, como Tireoidite de Hashimoto, Síndrome de Sjögren, Helicobacter Pylori induzindo a gastrite crônica etc.23. A lesão tende a permanecer sem progressão rápida por período prolongado e se disseminar, com tendência a envolver outros órgãos mucosos24.
Recente relato achou que o Linfoma MALT conta com 46 a 56% dos Linfomas Malignos que se desenvolveram em pacientes com SS23,25.
A ocorrência de Linfoma MALT no trato gastrointestinal é menos comum em pacientes que tem SS preexistente26.
Segundo Tomani et al. (2002)26, 5 pacientes apresentaram Linfoma MALT ao mesmo tempo em que se diagnosticou a SS primário ou desenvolveram linfoma após o diagnóstico de SS. Em 3 pacientes, a Síndrome de Sjögren foi diagnosticada 1, 3 e 10 anos. respectivamente, antes do diagnóstico de Linfoma MALT. Nos outros 2, a SS e o Linfoma MALT tinham sido diagnosticados simultaneamente. Conseqüentemente, para os 5 pacientes, o intervalo de tempo entre o diagnóstico de SS e o diagnóstico de Linfoma MALT foi 2,8 anos.
Royer et al. (1997)27 relatou 9 pacientes com Linfoma MALT associados com SS, sendo que em 5 a glândula parótida foi sítio inicial de ocorrência mais comum, seguidos do estômago, pulmão, mucosa bucal e nódulos linfóides.
Sutcliffe et al., (1998)12, em seu estudo retrospectivo de 72 pacientes com SS primária que foram classificados de acordo com o critério Europeu de Vitalli et al. e foram seguidos por um período de 10 anos, 5 pacientes desenvolveram Linfoma Não-Hodgkin MALT (prevalência de 7%) e todos eram mulheres. Na data do diagnóstico do Linfoma, a idade foi 63 anos e a média da doença foi 14 anos. Segundo seu estudo a probabilidade de desenvolvimento de Linfoma MALT foi 18% após 20 anos de início da doença.
Sutcliffe et al. (1998)12 observaram também em seu estudo que a presença de manifestações extragladulares como oposição à Síndrome Sicca sozinha não diferencia o grupo de linfoma, pois ambos os grupos tiveram alta freqüência de envolvimento extraglandular.
Em seu estudo, Voulgarelis et al. (1999)22 sugere que as glândulas salivares em pacientes com SS são os sítios iniciais mais comumente acometidos de transformação de células B neoplásicas, mas outros sítios MALT, como medula óssea e nódulos linfóides, foram também identificados como sítios iniciais de transformação maligna.
Recentes estudos identificaram fatores preditivos para a ocorrência de Linfoma Não-Hodgkin em pacientes com SS: parotidomegalia7,27, baixas doses de irradiação na parótida27, esplenomegalia27,28, linfadenopatia7,27,28, presença de componente monoclonal urinário ou sérico27,28, diminuição de imunoblogulinas séricas policlonais27,28, diminuição dos títulos do fator reumatóide28, leucopenia28 e púrpura28. Em nosso estudo não foram observadas nenhuma das manifestações citadas acima.
Segundo Voulgarelis et al. (2001)28, a presença de crioglobulina monoclonal mista prova ser o mais significativo risco para o desenvolvimento de Linfoma.
Em nosso estudo, o que nos chama atenção é que mesmo estando todos nossos pacientes com SS em acompanhamento até hoje, não encontramos indícios clínicos e laboratoriais de desenvolvimento de linfoma em nenhum deles, contrariando a descrição literária, o que nos leva à seguinte pergunta: será que no Brasil esta patologia tem um comportamento diferente?

CONCLUSÃO
Com o decorrer dos anos, observou-se um número cada vez maior de pacientes portadores de Síndrome de Sjögren, devido aos critérios de classificação redefinidos e também novas técnicas para um diagnóstico mais preciso. Ressaltamos a importância do diagnóstico de SS e o risco de desenvolvimento de malignização no decorrer dos anos, sendo portanto imprescindível um longo seguimento destes pacientes. Em nosso estudo todos os pacientes encontram-se em seguimento até hoje e nenhuma manifestação clínica e laboratorial foi observada para a realização do diagnóstico de linfoma.

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