segunda-feira, 28 de abril de 2014

é agravável o ato de ordenar a citação na execução


Rodrigo da Cunha Lima Freire

Mestre e Doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP)
Professor dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação do Uni FMU e da Universidade Paulista (UNIP)
Professor do Curso de Pós-Graduação da Faculdade Cândido Mendes de Vitória
Coordenador de Cursos e Professor no Instituto de Pesquisa em Teoria Geral do Direito e Biodireito
Diretor-Presidente do IDP – Instituto de Direito Processual
Membro Efetivo do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP)
Advogado


SUMÁRIO: 1. Da prática à teoria –  2. Os pronunciamentos jurisdicionais de natureza híbrida – 3. Os critérios para a recorribilidade dos pronunciamentos jurisdicionais de natureza híbrida – 4. A natureza do ato ordenador da citação no processo de execução e o agravo – 5. A questão na execução provisória – 6. Conclusões – Bibliografia.


1.         Da prática à teoria

            Figuremos a seguinte situação: nula a citação, o juiz profere sentença condenatória, não mais havendo possibilidade de que esta seja impugnada dentro do processo em que foi proferida, porquanto o prazo para a interposição da apelação se esgotou; o demandante, então, requer a execução do julgado; o juiz ordena que se faça a citação e, desta feita, a citação é válida.

            Partindo, então, da hipótese prática formulada, perguntamos: é impugnável por agravo (preferencialmente dotado de efeito suspensivo, nos termos do CPC, art. 558, apto a obstar o prosseguimento da execução) o ato ordenador da citação na execução? Parece-nos que sim, não só por questões de ordem prática, como também por afirmações de cunho teórico, que serão expostas no decorrer deste trabalho.




2.         Os pronunciamentos jurisdicionais de natureza híbrida

            O juiz, como se sabe, pratica inúmeros atos no processo. Os mais importantes, conhecidos como pronunciamentos, são de três ordens: despachos, decisões interlocutórias e sentenças[1].

            Despacho é o ato do juiz que serve exclusivamente para dar andamento ao processo. O despacho não possui caráter decisório, logo não tem aptidão para causar prejuízo jurídico às partes. A conseqüência disto é que do despacho não cabe recurso. São exemplos de despachos o ato de designar a audiência preliminar para uma determinada data e o ato pelo qual o juiz concede às partes a possibilidade de especificarem as provas que desejam produzir[2].

            Já a decisão interlocutória é o ato do juiz que resolve uma questão incidente no curso do processo. A decisão interlocutória possui caráter decisório, podendo causar prejuízo jurídico às partes. Em conseqüência, da decisão interlocutória cabe recurso, que é o agravo[3]. São exemplos de decisões interlocutórias os atos que resolvem as exceções e as impugnações ao valor da causa, os atos concessivos ou denegatórios de medidas liminares ou de requerimentos de produção de provas e os atos, proferidos monocraticamente em segundo grau de jurisdição,  concessivos ou denegatórios de efeito suspensivo ou de “efeito ativo” aos recursos[4]. A decisão interlocutória não possui um conteúdo pré-determinado em lei. Sabe-se, porém, que uma decisão interlocutória não terá por conteúdo uma das situações dos 267, 269 ou 794 do CPC, reservadas às sentenças, nem extinguirá o processo, característica, também, das sentenças.

            Sentença, por sua vez, é o ato do juiz que tem por conteúdo uma das hipóteses previstas nos artigos 267, 269 ou 794 do CPC, conduzindo o processo (recitus, procedimento em primeiro grau de jurisdição) à extinção. A sentença tem caráter decisório[5], podendo, desta forma, causar prejuízo jurídico às partes. O recurso cabível será, em princípio, a apelação, podendo, no entanto, caber o recurso de embargos de declaração ou outro recurso previsto em lei especial, como o recurso inominado da Lei nº 9.099/95. Ao contrário das decisões interlocutórias, as sentenças possuem conteúdo pré-determinado (artigos 267, 269 e 794 do CPC).

            Há, ainda, os acórdãos, pronunciamentos dos órgãos colegiados dos tribunais (v.g., Turmas, Seções, Câmaras, Grupos de Câmaras, Cortes Especiais, Tribunais Plenos), que podem, de acordo com as circunstâncias, assumir feições de decisão interlocutória ou de sentença. Os acórdãos são sempre decisórios, podem causar prejuízo jurídico às partes e, portanto, são impugnáveis mediante recurso, exceto se houver o trânsito em julgado. Muitos são os recursos previstos em lei para os acórdãos, tais como os embargos de declaração, os embargos infringentes, o recurso ordinário, o recurso especial, o recurso extraordinário e os embargos de divergência.

            Conceituamos, assim, os pronunciamentos do juiz, revelando traços que lhes são particulares e que nos permitem diferenciá-los.

 Há, no entanto, atos de dificílima caracterização, na medida em que possuem elementos característicos de dois ou mais pronunciamentos jurisdicionais[6].

            É o que ocorre, por exemplo, quando, no mandado de segurança, o juiz não defere, nem indefere a medida liminar requerida, deixando expresso nos autos, entretanto, que decidirá a matéria depois que a autoridade coatora prestar informações. Trata-se de um despacho, na medida em que o magistrado não decidiu, ou de uma decisão interlocutória, pelo eventual prejuízo jurídico causado ao impetrante? Pode-se dizer que o juiz decidiu que não iria decidir?

            A situação se repete quando o juiz designa audiência preliminar ou de tentativa de conciliação para uma determinada data, apesar de o autor haver requerido previamente o julgamento antecipado da lide. Marcar uma data para a audiência é dar andamento ao processo (despacho), mas, como há requerimento prévio de julgamento antecipado da lide, o ato do juiz implica em inevitável indeferimento desta solicitação (decisão interlocutória). Qual a natureza jurídica deste ato? Despacho ou decisão interlocutória?

            O mesmo acontece quando o juiz exclui do processo um litisconsorte, por ilegitimidade para a causa. Não há extinção do processo e, não havendo extinção do processo, em princípio, tem-se uma decisão interlocutória, mas o conteúdo é típico de sentença (CPC, art. 267, IV). O ato, então, é decisão interlocutória ou sentença?

            Em idêntica situação, aliás, encontram-se o indeferimento da petição inicial a reconvenção, da oposição ou da ação declaratória incidental. O processo não é extinto, mas o conteúdo é de sentença (CPC, art. 267, I). E a pergunta é a mesma: o ato é decisão interlocutória ou sentença?

            Poderíamos citar outros exemplos, mas estes parecem suficientes para que cheguemos a uma conclusão prévia: as coisas não são tão simples como gostaríamos que fossem e existem pronunciamentos jurisdicionais com natureza jurídica híbrida. Num mesmo momento processual o juiz pratica, por exemplo, um despacho e uma decisão interlocutória[7]-[8] ou uma decisão interlocutória e uma sentença. O ato é um apenas na forma, mas não o é na substância.

3.         Os critérios para a recorribilidade dos pronunciamentos jurisdicionais de natureza híbrida

            Reconhecida a existência de pronunciamentos jurisdicionais com natureza híbrida, necessário se faz, no entanto, por questões de ordem prática, definir os critérios que deverão nortear o aplicador do direito, em tais situações, para que o mesmo saiba se o ato é impugnável por recurso e, em sendo afirmativa a resposta, qual o recurso cabível.

            Cremos que o ato só não será impugnável pela via recursal se não tiver aptidão para causar prejuízo jurídico imediato ou, pelo menos, objetivo (inexorável) e atual (que se consumará num curto lapso de tempo)[9].

Exemplificando: quando o juiz ordena a citação no processo de conhecimento, reconhece a regularidade da petição inicial e a existência das condições da ação e dos pressupostos processuais. Mas, até então, não há prejuízo jurídico para o réu, que, desta forma, não pode interpor recurso[10]-[11]-[12].

            A aptidão do pronunciamento jurisdicional para causar prejuízo jurídico imediato ou objetivo e atual, então, é o fator que deve nortear o aplicador do direito quanto a admissão do recurso.

Ressalte-se, porém, que, se o juiz conceder, por exemplo, uma tutela antecipada, poderá o réu, em agravo de instrumento, não só impugnar os motivos que levaram o juiz à concessão do provimento antecipatório, mas, também, discutir a regularidade da petição inicial ou a presença das condições da ação e dos pressupostos processuais, até mesmo pelo que dispõe o CPC, art. 269, § 3º[13].

            Pode-se dizer, exemplificando, que agravo é o recurso cabível contra o ato pelo qual o juiz postergou expressamente a decisão quanto a medida liminar requerida em mandado de segurança[14] ou contra o ato do juiz que designou a audiência preliminar, indeferindo, por via de conseqüência, o prévio requerimento de julgamento antecipado da lide.

            Agora, para se saber o recurso cabível, havendo dúvida apenas quanto a espécie recursal – por exemplo: agravo ou apelação? –, aspectos de ordem prática devem guiar o aplicador do direito. É preciso saber qual a solução que não acarreta gravame ou que acarreta o menor gravame ao processo.



            Por exemplo, nas situações práticas acima mencionadas (exclusão de litisconsorte do processo e indeferimento da inicial da reconvenção, da oposição ou da ação declaratória incidental), o agravo será, indubitavelmente, o recurso menos gravoso ao processo, pois a apelação implicaria no envio dos autos do processo ao tribunal[15]-[16].

4.         A natureza do ato ordenador da citação no processo de execução e o agravo

            Fixadas as premissas necessárias à compreensão do tema, cumpre-nos agora a tarefa, que já não é tão árdua assim, de opinar sobre a natureza jurídica do ato ordenador da citação no processo de execução, para, então, concluirmos quanto ao cabimento, ou não, de recurso contra este ato, recurso este que, sendo cabível, será o agravo de instrumento.

            Parece-nos que o ato ordenador da citação no processo de execução é um híbrido de despacho e decisão interlocutória, e que, diferentemente do que ocorre com o processo de conhecimento, pode causar prejuízo jurídico, objetivo e atual, ao demandado, especialmente quando tiver como conseqüência a invasão na esfera patrimonial do executado, por meio de depósito ou penhora de bens.




            Com efeito, na execução “A citação não é feita, como no processo de cognição, para que o citado compareça e se defenda, mas para oferecer-lhe uma última oportunidade de cumprir sua obrigação e, na falta, submetê-lo imediatamente à atuação dos órgãos judiciários que procedem à execução”[17].

            E “O problema – adverte Teresa Arruda Alvim Wambier – é grave quando se determina desde logo uma afetação da esfera jurídica de alguém, ou seja, em se tratando de citação no contexto no processo de execução, em que o devedor não é citado para defender-se, mas para entregar a coisa, pagar, nomear bens à penhora ou ... seguro o juízo, embargar”[18].

            Na prática, aliás, o prejuízo experimentado pelo executado, com o ato ordenador da citação na execução, é maior que o prejuízo que advém da mera sentença condenatória proferida no processo de conhecimento, razão pela qual, aliás, deve o juiz deve sempre fundamentá-lo, em atenção ao disposto na CF, art. 93, IX[19].

            Por outro lado, lembremo-nos de que a cognição no processo de execução, se não inexistente, é extremamente rarefeita[20], e de que não existe, neste mesmo processo de execução, um momento formal, previsto em lei, para que o juiz resolva questões processuais pendentes (saneamento do processo[21]), o que ocasiona uma indiscutível concentração do controle de admissibilidade da execução no ato ordenador da citação[22].
Nada mais justo, portanto, que se permita ao executado interpor agravo de instrumento[23] contra o ato ordenador da citação no processo de execução[24]-[25]-[26], sem exclusão de outras vias processuais, como a apresentação de exceção ou objeção de pré-executividade, a oposição dos embargos do executado ou a propositura de uma ação autônoma de conhecimento (v.g., anulatória de título ou declaratória de inexistência de débito)[27].

            Aliás, no direito português, berço do agravo, admite-se expressamente a interposição deste recurso contra o ato ordenador da citação na execução, a saber: “O executado pode opor-se à execução por embargos e pode agravar do despacho que ordene a citação, contanto que não reproduza num dos meios os fundamentos que invoque noutro”. (CPC português, art. 812º)
               
            Perceba-se que a imediata interposição do agravo de instrumento é medida de economia processual, isto porque, caso a parte opte exclusivamente pela apresentação da exceção de pré-executividade, da decisão deste incidente o recurso cabível será exatamente o agravo de instrumento (que já poderia estar decidido, tivesse a parte optado por precipitar uma decisão do tribunal, interpondo o recurso do ato que ordenou a citação na execução).

Para a obtenção do efeito suspensivo, no entanto, de acordo com o CPC, art. 558, deverá o agravante alegar a existência de graves motivos para que se obste ao andamento regular da execução, demonstrando, em suma, que: a) o prejuízo jurídico que sofrerá, com a inevitável constrição judicial de seus bens, será irreparável ou de difícil reparação (“lesão grave e de difícil reparação”); b) a execução prima facie é inexistente ou (absolutamente) nula[28], v.g., porque o título executivo é carecedor de liquidez, certeza ou exigibilidade (“relevante fundamentação”). Este último item, aliás, é adotada pela jurisprudência no que pertine às exceções de pré-executividade[29].


Parece-nos ainda coerente dizer que “a necessidade de uma instrução trabalhosa e demorada, como regra, inviabiliza a discussão do defeito apontado no bojo do processo de execução”[30] e, se este obstáculo se põe em relação à exceção de pré-executividade, com maior força se dá em relação à concessão de efeito suspensivo no agravo de instrumento.

            De outro lado, suspensa a execução no juízo a quo, por decisão expressa motivada pelo recebimento de exceção de pré-executividade, desaparece um dos requisitos para que se conceda efeito suspensivo ao agravo de instrumento. O relator, no entanto, deve dar seguimento ao recurso.

            E duas últimas observações se fazem necessárias.

            Nada há em nosso direito que impeça a parte de agravar e, concomitantemente ou sucessivamente, apresentar exceção de pré-executividade, opor embargos ou promover ação de conhecimento autônoma. Também não se limitam as matérias versadas nestes meios processuais ao que não se deduziu no agravo, diferentemente do que ocorre com o direito português. Agora, decidido o agravo, vincula-se o juiz a quo a esta decisão.

            Ademais, o fato de o demandado não interpor o agravo não gera preclusão quanto à matéria, posto que as questões de ordem pública – nulidades (absolutas) ou inexistências cognoscíveis de ofício[31] – não se sujeitam ordinariamente ao regime da preclusão (CPC, art. 267, § 3º).

           


5.         A questão na execução provisória
           
O efeito suspensivo, consoante Alcides de Mendonça Lima, “não é da essência dos recursos, não os caracteriza, não lhes é indispensável, dependendo da formulação do direito positivo”[32].

            O direito positivo brasileiro, no entanto, firmemente arraigado à tradição romano-canônica-lusitana, adotou a regra do recebimento dos recursos no duplo efeito (devolutivo e suspensivo), sendo exceção o recebimento de recursos apenas no efeito devolutivo (rectius, desprovido de efeito suspensivo).

            A conseqüência desta regra é que se impede a produção dos efeitos da decisão judicial, até que haja a preclusão para a interposição do recurso, ou, sendo interposto o recurso, até que o mesmo seja  julgado.

            Por outro lado, sendo o recurso desprovido de efeito suspensivo (por previsão legal, v.g., nos casos do CPC, art. 520, ou pela concessão de tutela antecipada, confirmada em sentença ou concedida na própria sentença, para a subtração do efeito suspensivo da apelação[33]), intimadas as partes, a decisão judicial produz efeitos imediatos. Em se tratando de sentença condenatória, por exemplo, a principal conseqüência será a possibilidade de que este julgado seja imediatamente executado.

Tal execução, no entanto, é provisória, conforme o disposto no CPC, art. 587, a saber: “A execução é definitiva, quando fundada em sentença transitada em julgado ou em título extrajudicial; é provisória, quando a sentença for impugnada mediante recurso, recebido só no efeito devolutivo”.


            A execução provisória é, e não se pode negar, menos ofensiva aos interesses do executado que a execução definitiva, porquanto limitada pelas restrições impostas no CPC, art. 588 (corre por conta e responsabilidade do credor, que pode ser chamado a prestar caução e reparar os danos que se produzirem[34]; não importa em alienação de domínio, nem permite levantamento de depósito em dinheiro, sem caução idônea; e fica sem efeito, caso a decisão executada seja reformada ou anulada).

Mas as limitações contidas no CPC, art. 588, não impedem que se atinja a esfera patrimonial do executado, o que pode ocasionar um prejuízo jurídico relevante e de difícil reparação. E não é isto que se deseja, até porque, na maioria das vezes, a execução provisória se pauta mais “no reconhecimento de maior perigo no aguardo do julgamento do julgamento do recurso do que, propriamente, na pronta execução do julgado”[35].

Há que se considerar também o fato de que na execução provisória “falta o valor pleno de uma declaração definitiva”[36], porquanto fundada em título provisório, que ainda pode ser modificado ou anulado pela via recursal.

            Desta forma, poderá o executado manejar o agravo de instrumento contra o ato ordenador da citação na execução provisória. Remetemos, então, o leitor às considerações tecidas no item 4.

            Mas acrescente-se que existem outros meios processuais aptos a salvaguardar os interesses do recorrente e suspender a eficácia imediata da decisão judicial sujeita a recurso, mesmo não sendo este recurso ordinariamente dotado de efeito suspensivo. Em relação ao agravo e a apelação, o CPC, art. 558, permite que o recorrente requeira o efeito suspensivo[37]. Quanto aos demais recursos (v.g., recurso especial e recurso extraordinário), tem sido freqüente a utilização da medida cautelar com este objetivo, embora sejamos francamente favoráveis à idéia de admitir que, em qualquer caso (recurso), se possa requerer efeito suspensivo (ou ativo) ao próprio juiz que proferiu a decisão ou ao relator do recurso, para que se dê aplicação, em segunda instância, ao artigo 273 do CPC[38]. Nestes casos, então, suspensa a eficácia da decisão judicial recorrida (título executivo provisório), não há porque se conceder efeito suspensivo ao agravo de instrumento interposto contra o ato ordenador da citação na execução provisória.

6.         Conclusões

            Os pronunciamentos – atos mais importantes do juiz – são de três ordens: despachos, decisões interlocutórias e sentenças.

            Despacho é o ato do juiz para dar andamento ao processo; não possui caráter decisório, logo não tem aptidão para causar prejuízo jurídico às partes. Já a decisão interlocutória é o ato do juiz que resolve uma questão incidente no curso do processo; possui caráter decisório (que não se encontra pré-determinado em lei) e, desta forma, pode causar prejuízo jurídico às partes. E a sentença, por seu turno, é o ato do juiz que versa sobre uma das situações previstas nos artigos 267, 269 e 794 do CPC, conduzindo procedimento em primeiro grau de jurisdição à extinção. A sentença tem caráter decisório (com exceção de determinadas sentenças na execução), podendo, desta forma, causar prejuízo jurídico às partes.

            Existem, todavia, pronunciamentos jurisdicionais com natureza jurídica híbrida. Por exemplo, num mesmo momento processual o juiz pratica um despacho e uma decisão interlocutória ou uma decisão interlocutória e uma sentença. O ato é um apenas na forma, mas não o é na substância.

Pensamos que o ato só não será impugnável pela via recursal, se não tiver aptidão para causar prejuízo jurídico imediato ou, pelo menos, objetivo (inexorável) e atual (se consumará num curto lapso de tempo).

            Por outro lado, para se saber o recurso cabível, havendo dúvida apenas quanto a espécie recursal, questões de ordem prática devem guiar o aplicador do direito. É preciso perscrutar qual a solução que não acarreta gravame ou que acarreta o menor gravame ao processo.

            O ato ordenador da citação no processo de execução é um híbrido de despacho e decisão interlocutória que pode causar prejuízo jurídico, objetivo e atual, ao demandado, especialmente quando tiver por conseqüência a invasão da esfera patrimonial do executado, pelo depósito ou pela penhora de bens.

            Desta forma, cremos que o executado pode interpor agravo de instrumento contra o ato ordenador da citação no processo de execução.

            Para a concessão do efeito suspensivo deve o agravo de instrumento versar sobre vícios cognoscíveis de ofício (inexistência ou nulidade absoluta), pois, do contrário, admitindo-se a suspensão da execução em toda e qualquer situação, não se estará cumprindo o preceito do Código que condiciona o efeito suspensivo à existência de fundamento jurídico relevante.

Outrossim, inviável será a concessão do efeito suspensivo, havendo a necessidade de demorada e trabalhosa instrução para que se vislumbre o vício apontado pelo agravante ou suspensa a execução por decisão do juiz a quo que recebeu exceção ou objeção de pré-executividade.

            Pode a parte agravar e, concomitantemente ou sucessivamente, apresentar exceção de pré-executividade, opor embargos ou promover ação de conhecimento autônoma. E as matérias versadas nestes meios processuais não se limitam ao que não se deduziu no agravo. Decidido o agravo, no entanto, vincula-se o juiz a quo a esta decisão.

Ademais, o fato de o demandado não interpor o agravo não gera preclusão, porquanto as matérias de ordem pública – nulidades ou inexistências cognoscíveis de ofício – não se sujeitam, em princípio, ao regime da preclusão.

Quanto à execução provisória, outros motivos se agregam aos anteriores para que admitamos o cabimento do agravo de instrumento contra o ato ordenador da citação, a saber: a) a execução provisória não se pauta pela necessidade de que haja uma pronta execução, mas, na maioria das vezes, pela constatação de que existe um “risco” na espera do julgamento do recurso – e se pode existir um risco para o exeqüente, risco ainda maior pode ocorre em relação ao executado; b) na execução provisória o título ainda é provisório, não existindo uma declaração judicial definitiva.

No entanto, paralisada a execução provisória, porquanto suspensa a eficácia imediata da decisão judicial executada, seja pela aplicação do CPC, art. 558, seja pela concessão de medida cautelar ou antecipatória em segunda instância, não há que se conceder efeito suspensivo ao agravo de instrumento interposto contra o ato ordenador da citação.
Bibliografia

ALVES, Francisco Glauber Pessoa. “Dos efeitos infringentes nos embargos declaratórios e
        algumas atualidades em assuntos afins”. In: Aspectos polêmicos e atuais dos recursos
        cíveis e de outras formas de impugnação às decisões judiciais.Coord. Nelson Nery Jr.
        e Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: RT, 2001.
ARRUDA ALVIM, José Manoel de, MENDONÇA LIMA, Alcides de, RIZZI, Luiz
        Sérgio de Souza, SEABRA FAGUNDES, M. “Indeferimento liminar de ação
        declaratória incidental, reconvenção, oposição; embargos do devedor e pedido
        de assistência – recurso cabível. In: Revista de Processo, nº 2, p. 237-240.
ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. “Efeito suspensivo do agravo e recorribilidade da
        decisão que o concede (ou não o concede) e outros assuntos. In: Aspectos polêmicos e
        atuais dos recursos. Coord. Eduardo Pellegrini de Arruda Alvim, Nelson Nery Jr. e
        Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: RT, 2000.
________. Os agravos no CPC brasileiro. 3.ed. São Paulo: RT, 2000.
ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa, WAMBIER, Luiz Rodrigues. “Sobre a objeção de
         pré-executividade”. In: Processo de execução e assuntos afins. Coord. Teresa Arruda
         Alvim. São Paulo: RT, 1998.
ASSIS, Araken de. Manual do processo de execução. 6.ed. São Paulo: RT, 2000.
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de
        Janeiro: Forense, 1998, v. V.
________. O novo processo civil brasileiro. 19.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
BUENO, Cassio Scarpinella. Execução provisória e antecipação da tutela. São Paulo:
        Saraiva, 1999.
________. Liminar em mandado de segurança: um tema com variações. São Paulo: RT,
         1998.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. São Paulo:
        Malheiros, 2000, v. I.
FERREIRA, William Santos. Tutela antecipada no âmbito recursal. São Paulo: RT, 2000.
FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque sobre o interesse de agir.
       2.ed. São Paulo: RT (no prelo).
________ .“Falta de pressuposto processual ou de condição da ação – declaração ex officio
       em agravo de instrumento”. In: Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de 
       outras formas de impugnação às decisões judiciais. Coord. Nelson Nery Jr. e Teresa
       Arruda Alvim Wambier. São Paulo: RT, 2001.
GIANESINI, Rita. “A recorribilidade do ‘cite-se’”. In: Aspectos polêmicos e atuais
       dos recursos cíveis e de outras formas de impugnação às decisões judiciais.
       Coord. Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: RT, 2001.
GUERRA, Marcelo Lima. Execução forçada: controle de admissibilidade. São Paulo: RT,
        1995.
LIEBMAN, Enrico Tullio. Processo de execução. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1968.
LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Eficácia das decisões e execução provisória. São
         Paulo: RT, 2000.
________. “O controle dos atos executivos e a efetividade da execução: análises e
         perspectivas”. In: Processo de execução e assuntos afins. Coord. Teresa Arruda   
         Alvim Wambier. São Paulo: RT, 1998.
MEDINA, José Miguel Garcia. “Recursos no processo de execução – notas sobre alguns
         aspectos controvertidos”. In: Aspectos polêmicos e atuais dos recursos. Coord.
         Eduardo Pellegrini de Arruda Alvim, Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim
         Wambier. São Paulo: RT, 2000.
OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de. “Recursos de efeito devolutivo restrito e a
        possibilidade de decisão acerca de questão de ordem pública sem que se trate da
        matéria impugnada”. In: Aspectos polêmicos e atuais dos recursos. Coord. Eduardo
        Pellegrini de Arruda Alvim, Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier. São
        Paulo: RT, 2000.
RIBEIRO DANTAS, Marcelo Navarro. “Admissibilidade e mérito na execução”. In:
       Revista de Processo nº 47, p. 24-42.
________ . Reclamação constitucional no direito brasileiro. Porto Alegre: Sergio Antonio
       Fabris Editor, 2000.
SHIMURA, Sérgio. Título executivo. São Paulo: Saraiva, 1997.
WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. 2.ed. Campinas: Bookseller, 2000.



[1] Não obstante a leitura do art. 162 do CPC dê a impressão de que despachos, decisões interlocutória e sentenças sejam os únicos atos do juiz, este pratica outros atos no processo, como a tentativa de conciliação e a inspeção judicial (v., por todos, Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil, v. V, p. 238-239).
[2] Com a reforma do CPC, determinados atos ordinatórios, como a juntada e a vista obrigatória, passaram a ser praticados em Cartório, independentemente de despacho do juiz, mas sob a supervisão deste (CPC, art. 162, § 4º). Os atos ordinatórios, malgrado autorizadíssimas opiniões em contrário, não são despachos, nem de expediente, nem de mero expediente, e a inserção deles num parágrafo do art. 162, que trata dos pronunciamentos do juiz, no caput e nos três parágrafos seguintes, não foi das mais felizes.
[3] Embora a letra fria do art. 535 refira-se a sentença ou acórdão, há que se interpretar tal dispositivo legal – lembremo-nos que “a letra mata; o espírito vivifica” (São Paulo) – e admitir também o cabimento dos embargos de declaração para aclarar ou integrar decisão interlocutória obscura, omissa ou contraditória, até mesmo por uma questão de economia processual.
[4] A decisão interlocutória pode ser praticada por juiz de primeira instância, como também por magistrado pertencente a tribunal. Em ambos os casos, o recurso cabível será o agravo.
[5] Com exceção das sentenças que, em regra, são proferidas no processo de execução. Estas, aliás, mais se assemelham a despachos.
[6] E Cândido R. Dinamarco, Fundamentos do processo civil moderno, v. I, p. 224, alerta ainda para o fato de que “Nem sempre foi fiel o Código à terminologia que seu próprio art. 162 pretendeu implementar”.
[7] Ainda que não fundamentada, em desrespeito ao disposto na CF, art. 93, IX.
[8] Observe-se, outrossim, que o juiz, em atenção ao disposto na CF, art. 93, IX, não deve decidir implicitamente, mas a regra prevista na CF objetivamente não impede o juiz de assim proceder, ainda que saiba estar procedendo de forma irregular. Portanto, embora não deva existir, pode haver decisão implícita.
[9] Conforme Francisco Glauber Pessoa Alves, “Dos efeitos infringentes nos embargos declaratórios e algumas atualidades em assuntos afins”, p. 420, “Entendem-se plenamente recorríveis todos os atos judiciais que, de uma ou de outra forma, causem prejuízo às partes, pese embora a discussão acerca da impossibilidade de os despachos, despachos de expediente, despachos de mero expediente ou atos ordinatórios causarem prejuízos às partes”.
[10] Para Barbosa Moreira, O novo processo civil brasileiro, p. 23, “A despeito da denominação tradicional encampada pelo Código (v. art. 285, verbo “despachará”), o despacho liminar mal se harmoniza, por sua natureza, com o conceito de mero despacho. A lei claramente lhe dá conteúdo decisório, determinando ou permitindo que nele sejam resolvidas várias questões. O deferimento do pedido de citação do réu pressupõe, com efeito, que o órgão judicial haja apreciado (e resolvido no sentido afirmativo) todas as questões acima enumeradas, conquanto não se deva entender que fiquem elas desde logo preclusas”. Continua Barbosa Moreira dizendo que “Não se trata de puro ato de impulso processual. O controle da regularidade formal e dos requisitos de admissibilidade da ação entra no conceito amplo de saneamento. Envolve a solução, no curso do processo, de questões incidentes (art. 162, § 2º)”. E, fechando o raciocínio, o extraordinário processualista afirma: “Quando o juiz defere a petição inicial (despacho liminar de conteúdo positivo), estará, pois, praticando ato que mais se aproxima de uma decisão interlocutória que de um despacho de mero expediente”.
[11] Seguindo as idéias de Barbosa Moreira, Rita Gianesini, “Da recorribilidade do ‘cite’”, p. 939, 942 e 943, afirma que o “cite-se” é agravável, mesmo no processo de conhecimento, porque “tem conteúdo decisório com repercussões jurídicas fundamentais para o réu”. A autora, no entanto, argumenta que essa não é a solução ideal e propõe, de lege ferenda, “seja introduzida no nosso direito positivo a possibilidade de o réu apresentar defesa prévia, que poderá ser recebida no efeito suspensivo....”.
[12] Teresa Arruda Alvim Wambier, Os agravos no CPC brasileiro, p. 93, por sua vez, após expor que as decisões judiciais devem ser explícitas, fundamentadas e públicas, conclui que, apesar de o despacho que ordena a citação não ser de mero expediente – não devendo, portanto, ficar a cargo do serventuário – , não se pode pensar que, ao proferi-lo, o juiz estaria considerando implicitamente presentes as condições da ação e os pressupostos processuais, ou seja, decidindo acerca destes pontos, que, no seu entender, não são ainda questões, porquanto ainda não há contraditório.
[13] Rodrigo da Cunha Lima Freire, “Falta de Pressuposto processual ou de condição da ação – declaração ex officio em agravo de instrumento” e Condições da ação: enfoque sobre o interesse de agir (no prelo).
[14] Sobre o cabimento do agravo (de instrumento) contra a decisão concessiva ou denegatória de liminar em mandado de segurança, consultar Cássio Scarpinela Bueno, Liminar em mandado de segurança: um tema com variações, p. 114-119.
[15] Se, porém, a parte optar pela apelação, caberá ao órgão ad quem aplicar o princípio da fungibilidade recursal, que, em nosso pensar, não deve ser condicionado ao preenchimento do prazo do agravo (dez dias), pois, se o recorrente imaginava que o recurso adequado era a apelação, imaginava também que o prazo adequado era o da apelação (quinze dias). Os requisitos fundamentais à aplicação do princípio, em nosso entender, devem ser a dúvida objetiva, onde se averigua a existência de divergência na doutrina ou na jurisprudência, e a inexistência de erro grosseiro, caracterizando-se o erro grosseiro pelo descumprimento de previsão legal expressa.
[16] A respeito do recurso cabível, em tais situações, travou-se interessante debate no ano de 1974, no Curso de Especialização em Direito Processual Civil, realizado pela PUC/SP e coordenado por Arruda Alvim. Do debate, que foi publicado na RePro nº 2, p. 237-240, sob o título “Indeferimento liminar de ação declaratória incidental, reconvenção, oposição; embargos do devedor e pedido de assistência – recurso cabível”, participaram o próprio Arruda Alvim, Alcides de Mendonça Lima, Seabra Fagundes e Sérgio Rizzi. Ao final, concluiu a mesa: “Para a declaratória incidental, cabe apelação; para a reconvenção, apelação; assistente, agravo de instrumento; opoente, apelação; embargos do devedor, apelação, com efeito devolutivo”. Arruda Alvim, no entanto, defendeu, para os casos de indeferimento liminar de declaratória incidental, da reconvenção e da oposição, o cabimento do agravo de instrumento, motivado por questões de ordem prática. No seu entender, a “apelação poderia ter um efeito de paralisar a outra causa e levar para o Tribunal aquilo que se constitui num acidente do próprio processo principal”.
[17] Enrico Tullio Liebman, Processo de execução, p. 92.
[18] Os agravos no CPC brasileiro, p. 88.
[19] Neste sentido: Marcelo Lima Guerra, Execução forçada: controle de admissibilidade, p. 144.
[20] Cf. Kazuo Watanabe, Da cognição no processo civil, p. 115.
[21] O saneamento do processo compõe-se de ato híbrido por definição legal: conforme o CPC, art. 331, além de fixar os pontos controvertidos – ato que não compõe o saneamento propriamente dito –, o juiz “decidirá as questões processuais pendentes e determinará as provas a serem produzidas, designando audiência de instrução e julgamento, se necessário”.
[22] Consoante Marcelo Lima Guerra, Execução forçada: controle de admissibilidade, p. 129, difere o controle de admissibilidade (para o exame do mérito) no processo de conhecimento do controle de admissibilidade na execução. É que o primeiro “se faz de forma ‘difusa’, desde o despacho liminar até o ‘julgamento conforme o estado do processo’”. Já o segundo “se concentra todo na ocasião em que o juiz examina a petição inicial, com vistas a, proferindo ‘despacho liminar’, deferir a citação do devedor ou, caso contrário, indeferir a petição inicial”.
      Para Marcelo Lima Guerra, “essa característica da ‘concentração’ do controle de admissibilidade da execução é também reflexo do mencionado ‘desfecho único’ do processo de execução, pois uma vez regularmente constituído tal processo com a citação do devedor, ele deverá se desenvolver inteiramente no sentido da entrega efetiva da tutela executiva, com a satisfação do direito do credor. Em outras palavras, decidir sobre se deve ou não citar o devedor, significa decidir se deve ou não ser prestada a tutela executiva”.
      Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, “Admissibilidade e mérito na execução”, p. 32, ressalva, porém, que este controle, da admissibilidade da execução, pode se fazer em qualquer momento, à exemplo do que ocorre com o processo de conhecimento: “... no processo de execução há um primeiro momento de exame de admissibilidade, quando o juiz despacha a petição inicial, no qual, realmente, em princípio apenas a aparência do título executivo e sua exigibilidade, e a existência dos pressupostos processuais mais visíveis são atendidos. Mas há também um segundo momento, posterior, em que o executado, ou mesmo o magistrado, de ofício (ex vi do § 3º do art. 267 do estatuto processual), poderão sempre verificar se todos os pressupostos e condições estão regulares. Descoberta, então, a falta de qualquer dos requisitos de admissibilidade, principalmente as condições da ação, a execução deverá ser extinta”.
      Concordamos com Marcelo Navarro Ribeiro Dantas quanto a aplicação ao processo de execução do disposto no CPC, art. 267, § 3º, mas é fato que a inexistência de um momento formal para o saneamento do processo implica, na prática, numa concentração da admissibilidade da execução no despacho ordenador da citação.
[23] Falecerá interesse na interposição do agravo retido.
[24] Conforme Paulo Henrique dos Santos Lucon, “O controle dos atos executivos e a efetividade da execução: análises e perspectivas”, p. 336-337, “cabe ao julgador examinar cuidadosamente o título executivo antes de determinar o desencadeamento de atos de agressão patrimonial, que desfalcam o executado do seu patrimônio, no todo ou em parte. Outras vezes, os reflexos são indiretos, pois o depósito ou a penhora de bens do executado pode acarretar uma fatal e inaceitável paralisação das atividades econômicas do executado, com conseqüências indesejáveis e de grande extensão pecuniária. Portanto, tem ele, executado, todo interesse recursal de interpor agravo de instrumento contra a decisão que determina a penhora de seus bens, objetivando do relator do recurso a imediata concessão do efeito suspensivo para que exame minudente acerca da própria existência do título executivo seja feito”.
      Diz ainda Lucon: “O chamado despacho liminar no processo de execução tem nítida natureza da decisão interlocutória, na medida em que o juiz deve, ab initio, examinar os pressupostos de existência do título para, a partir daí, determinar a realização de atos de afetação patrimonial”.
[25] Neste sentido, também: Teresa Arruda Alvim Wambier e Luiz Rodrigues Wambier, “Sobre a objeção de pré-executividade”, p. 411; Araken de Assis, Manual do processo de execução, p. 343; Marcelo Lima Guerra, Execução forçada: controle de admissibilidade, p. 129 e segts; Paulo Henrique dos Santos Lucon, “O controle dos atos executivos e a efetividade da execução: análises e perspectivas”, p. 336-337; e José Miguel Garcia Medina, “Recursos no processo de execução – notas sobre alguns aspectos controvertidos”, p. 32. Este último, aliás, considera agravável até mesmo o ato pelo qual o juiz determina a emenda da petição inicial, pois, na sua concepção, tal pronunciamento “é suscetível de causar gravame à parte”.
[26] O excelente Sérgio Shimura, Título executivo, p. 77, rechaça a idéia, afirmando, em síntese, que: a) “ao mandar citar o demandado para pagar ou nomear bens à penhora, o juiz não está fazendo nada mais do que cumprir o ditame legal (art. 652, CPC)”; b) “Pelo estatuto processual pátrio, o recurso de agravo é desprovido de efeito suspensivo, o que seria inútil e ineficaz a travar o andamento do feito executivo”; e c) “se fôssemos aceitar tal idéia – a do cabimento do recurso de agravo –, em todo e qualquer tipo de procedimento, seja o comum, seja o especial, logo que a parte fosse citada para contestar ou para pagar a dívida, o réu teria ao seu dispor o recurso de agravo...”. Parece-nos, todavia, que, ao “despachar” a inicial de uma execução inexistente ou nula, o juiz deixa de cumprir os ditames do próprio Código. Por outro lado, se o agravo de instrumento é ordinariamente desprovido de efeito suspensivo, o relator, a requerimento, pode concedê-lo (CPC, art. 558). Argumente-se, por fim, que a não admissão do agravo contra o despacho ordenador da citação no processo de conhecimento se dá porque lá o “cite-se” não gera prejuízo jurídico imediato (ou objetivo e atual) para o réu. Mas, na execução, inversamente, o ato de ordenar a citação pode causar prejuízos irreparáveis ou difícil reparação ao executado, pois, como se sabe, este pronunciamento “desencadeia” não apenas um procedimento, mas uma sucessão de atos expropriatórios.
[27] Consoante Sérgio Shimura, Título executivo, p. 344, “hoje, qualquer ação autônoma é proponível para discutir o débito constante do título (ação anulatória de título, anulatória de relação cambial, declaratória de falsidade, declaratória de inexigibilidade da obrigação)”.
[28] Deve o agravo, portanto, versar sobre a admissibilidade da execução.
[29] Por exemplo: STJ – 3ª T, REsp nº 160107/ES, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 03.05.1999, p. 145; STJ – 4ª T, REsp nº 218743/RS, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 17.12.1999, p. 377;  STJ – 4ª T, AGA nº 197577, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 28.03.2000, p. 167.
[30] Teresa Arruda Alvim Wambier e Luiz Rodrigues Wambier, “Sobre a objeção de pré-executividade”, p. 410.
[31] Conforme Gleydson Kleber Lopes de Oliveira, “Recursos de efeito devolutivo restrito e a possibilidade de decisão acerca de questão de ordem pública sem que se trate da matéria impugnada”, p. 239 e 241, “É importante (...) traçar o elo de ligação entre a questão de ordem pública e as nulidades, uma vez que, violada a questão de ordem pública, o processo torna-se viciado, ensejando a nulidade ou até a inexistência”. E mais adiante: “questão de ordem pública refere-se a toda matéria atinente aos requisitos de admissibilidade da tutela jurisdicional que, quando desatendida, tem o condão de viciar – nulidade absoluta ou inexistência – o processo”.
[32] Introdução aos recursos cíveis, p. 290.
[33] A respeito da execução provisória “ope iudicis”, consultar Cassio Scarpinella Bueno, Execução provisória e antecipação da tutela, p. 299 e segts.
[34] Teoria do risco, segundo a qual o exeqüente responde objetivamente pelos danos que a execução provisória causar ao executado.
[35] Cassio Scarpinella Bueno, Execução provisória e antecipação da tutela, p. 162.
[36] Paulo Henrique dos Santos Lucon, Eficácia das decisões e execução provisória, p. 211.
[37] Com a redação dada ao art. 558 do CPC pela Lei nº 91.39, de 30 de novembro de 1995, no correto dizer de Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, Reclamação constitucional no direito brasileiro, p. 138-139, “voltou, ao seio do processo civil brasileiro, o agravo por dano irreparável do Regulamento 737, herdeiro do agravo por ordenação não guardada, das Ordenações, e de toda a tradição lusitana e romana anterior, como pregara, fazia mais de três décadas, José Frederico Marques”.
     Afirma ainda Marcelo Navarro Ribeiro Dantas: “Tudo quanto se pretendeu fazer, nos últimos cinqüenta anos, em favor da irrecorribilidade das interlocutórias, foi jogado por terra, porque a natureza do sistema processual e dos que o fazem é, em verdade, refratária à aplicação, ainda que parcial, desse regime”.
     A crítica é absolutamente pertinente. Acontece que, pior, muito pior, era o sistema anterior, porque nele os tribunais, em regra, admitiam a utilização do mandado de segurança (e alguns, da ação cautelar) para atribuir efeito suspensivo ao agravo de instrumento. Tratava-se de uma impropriedade sem tamanho, especialmente no que pertine ao mandado de segurança. Primeiro, porque o mandado de segurança não se presta a esse fim, ainda que o admitamos em casos excepcionalíssimos, (v.g., na hipótese de omissão judicial irrecorrível, fora de contexto comissivo, ou diante de processos teratológicos, nos quais as decisões sobre eventuais recursos interpostos não tenham o condão de superar a teratologia), preenchidos os requisitos constitucionais. Segundo, porque, admitido o mandado de segurança, totalmente inócuo seria o agravo de instrumento. A solução adotada, então, foi pragmática. Evitou-se um segundo processo para que se resolvesse a questão internamente. É verdade, entretanto, que o volume de trabalho nos tribunais aumentou sensivelmente. A utilização de uma via extraprocessual como o mandado de segurança inibia, de certa forma, os requerimentos de efeito suspensivo. Agora, no entanto, encorajados pela facilidade de fazer o requerimento na própria petição do recurso (via endoprocessual), os advogados têm pleiteado o efeito suspensivo (ou mesmo o chamado “efeito ativo”) em quase todos os agravos interpostos.
[38]  “O efeito suspensivo excepcional nada mais é do que uma antecipação da tutela recursal” (William Santos Ferreira, Tutela antecipada no âmbito recursal, p. 245). Perceba-se a diferença: antecipação da tutela recursal e não antecipação da tutela jurisdicional. Com o efeito suspensivo excepcional precipita-se um dos efeitos da decisão do recurso (apenas e tão-somente).

Nenhum comentário:

Postar um comentário